Por Maria da Glória Vianna
Os equívocos de uma psicanalista carioca nas ruas de São Paulo
A língua falada em São Paulo ultrapassa qualquer rivalidade entre os “manos” locais e os “broder” do Rio de Janeiro. Não é necessário estabelecer a linha de Tordesilhas para vermos que, definitivamente, São Paulo e Rio são duas cidades separadas pelo mesmo idioma. Não vou apregoar o português falado em uma ou em outra, mas peço aos leitores que, depois de saber a minha história, avaliem se é necessário, comprar um dicionário após os 50 minutos na ponte aérea.
Início de 1990, calor insuportável em São Paulo. Tentei arranjar uma vaga para estacionar o carro e, para minha surpresa, havia uma “esperando por mim”. Lá fui eu manobrando muito bem o carro, de fazer inveja a qualquer instrutor de autoescola! Havia um pequeno grupo de homens, que me olhavam atentamente (mais por estupefação do que por outro motivo). Assim que estacionei, um deles, muito solícito, aproximou-se de mim e perguntou: “Vai um cartão da Zona”? Frente ao meu espanto e indignação, o senhor bradava que eu só poderia ficar ali se eu comprasse o tal cartão. Com a boca seca de tanta raiva, respondi em tom duro que se alguém ali tinha algum cartão parecido com o mencionado, devia seguramente “ser a digníssima senhora sua mãe e a sua irmã”! Ele continuava sem entender minha reação e ainda disse em tom profético: “Depois não diga que eu não avisei”! O tal cartão da zona azul só chegou ao Rio de Janeiro dois anos depois. Naquela época, só contávamos com os “flanelinhas”, que nos ajudavam arranjar uma vaga e depois sumiam.
Quando cheguei à terra da garoa, ainda não existia o GPS. Então, ao sair de casa, contava um tempo a mais para me perder e depois me localizar. Na época, usávamos o Guia de Ruas, aquele livro que mais se assemelhava a um “Vade-mécum” de medicação de tarja preta. Todos tinham o Guia, logo, não poderia ficar sem um também. E assim ia tentando me orientar nessa cidade querida e caótica. Um dia, precisei ir ao Itaim. Até aí nada demais. Acontece que a pessoa no telefone frisou que o tal endereço ficava no “Itaim Bibi”. Já me sentindo apta a achar qualquer lugar no meu livrão, saí cheia de curiosidade a procurar o bairro. Então, como se diz no interior paulista, “montei no porco”! Ao conferir no Guia, fiquei muito impressionada com as expressões que se referiam ao bairro: “Chácara do Itaim”! Pensei: “deve ser um lugar muito bonito, com plantas e gramados”. Repetia o mantra à exaustão para ver se não errava: Itaim Bibi. Ledo engano! Já estava tão exausta que resolvi pedir ajuda. Abro a janela do carro e pergunto a um grupo: “Será que alguém pode me informar se já cheguei ao Itaim Fonfom!?”.
Perplexa, sem entender as gargalhadas que recebi como resposta, pensei que os equívocos da psicanálise e os mal-entendidos entre cariocas e paulistas se concretizavam na psicopatologia da minha vida cotidiana em São Paulo! Foi, então, que senti na pele que ainda não pertencia à mesma paróquia, como nos diz Lacan referindo-se às “tiradas espirituosas da língua”. Só assim pude, finalmente, conciliar-me com ela. Sacô meu bróder, digo, meu mano?