Qual a concepção de sintoma a partir de Freud? 02/06/2016

Por Rinaldo Gama

Texto apresentado no Curso Intermediário de Freud a Lacan, no IPLA – maio de 2016

Em Freud, sintoma não é um substantivo – é um substitutivo.

Noutras palavras, é, portanto, um pronome: entra no lugar do nome.

Disso decorrem duas questões: 1) O que é, nesse caso, o “nome”? 2) De que maneira se dá tal substituição?

O “nome” é o desejo (inconsciente). Que ele – sintoma – disfarça.

“Disfarça” na transfiguração da satisfação do desejo inconsciente e do recalque dessa satisfação. “As duas forças que entraram em luta encontram-se novamente no sintoma e se reconciliam, por assim dizer, através do acordo representado pelo sintoma formado. É por essa razão, também, que o sintoma é tão resistente: é apoiado por ambas as partes em luta”, observa Freud na Conferência XXIII.

Os sintomas, já atestara ele àquela altura, na Conferência XVII, “têm um sentido, como as parapraxias e os sonhos, e, como estes, têm uma conexão com a vida de quem os produz”.

Originalmente, notou Freud nessa mesma conferência, o sentido do sintoma neurótico devia ser atribuído, a Josef Breuer (e, vá lá, também a Pierre Janet).

Em Sigmund Freud, é possível estabelecer minimamente duas etapas distintas de conceituação do sintoma: uma, que vai das origens da psicanálise até 1920, e é regida pelo princípio do prazer; e a outra, depois dessa data, mais exatamente a partir da publicação de Além do Princípio de Prazer – cujo direcionamento se faz evidente no título da obra.

Como a concepção do sintoma é uma das pedras angulares da psicanálise, pode-se afirmar com segurança que esses dois momentos na abordagem do sintoma correspondem igualmente a duas fases distintas da ciência criada por Sigmund Freud.

A primeira dessas etapas consistiu, também ela, em dois períodos, quais sejam: 1) o dos primórdios dos estudos freudianos com Breuer; 2) o que surge com o advento da psicanálise em si – a partir do abandono da hipnose, da ênfase na associação livre como ferramenta fundamental do set analítico e, sobretudo, da publicação de A Interpretação dos Sonhos (1900)  – e se estende até o lançamento de Além do Princípio de Prazer.

O sintoma na fase do “princípio de prazer” é um enigma a ser decifrado (pela análise). Nas palavras de Freud, vistos sob tal ângulo, os sintomas são os “produtos finais” dos conflitos que “conduziram à ‘repressão’ e à ‘divisão’ (splitting) da mente”, gerados “por mecanismos diferentes: (a) seja como formações de substituição das forças reprimidas, seja (b) como conciliações entre as forças repressoras e reprimidas, seja (c) como formações reativas e salvaguardas contra as forças reprimidas” (“Sobre a psicanálise”, 1911).

O outro horizonte para a discussão do sintoma é justificado por Freud desta forma: “Deve-se apontar que, estritamente falando, é incorreto falar na dominância do princípio do prazer sobre o curso dos processos mentais. Se tal dominância existisse, a imensa maioria de nossos processos mentais teria de ser acompanhada pelo prazer ou conduzir a ele, ao passo que a experiência geral contradiz completamente uma conclusão desse tipo” (Além do Princípio de Prazer).

Como sempre, foi a clínica que revelou a Sigmund Freud esse novo desafio à psicanálise. Sim, há satisfação que não depende de prazer; há satisfação que pode, ao contrário, produzir desprazer.  Mais do que isso: resiste à interpretação, à decifração. Como se escapasse à gramática analítica. 

Rinaldo Gama é jornalista – editor sênior da Revista Veja, doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e Membro do Corpo de Formação em Psicanálise do IPLA 

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