Por Alain Mouzat
Entre dois rochedos a navegação é delicada: afinal, a psicanálise se inscreve como um racionalismo denunciando as ilusões das religiões, ou a psicanálise seria parente dessas mesmas ilusões que necessitam a dimensão da crença para funcionar?
A religião, diz Freud, nos fornece os apoios para nos proteger da angústia frente a nosso desamparo infantil: oferece consolação e promete o paraíso.
Aceitaremos viver nesse estado infantil, ou enfrentaremos nossas angústias com as ferramentas da psicanálise para nos tornarmos adultos?
A psicanálise anunciava assim a dissolução da religião.
Não foi isso que aconteceu. A psicanálise não dissolveu a religião.
É Lacan que parece ter razão quando anunciava o “triunfo da religião”. Será que isso significa o fracasso da psicanálise? Psicanálise e religião continuam incompatíveis?
Lacan em seus seminários convoca muitas referências ao judaísmo, ao catolicismo, que ele chega a designar como a “verdadeira religião”. E não são puramente referências culturais, mas sim pontes erguidas entre uma e outra: o(s) nome(s) do Pai, o psicanalista e o santo, o êxtase de Santa Teresa…
Claro que as interpretações não são propriamente religiosas: O Nome do Pai, se inscreve no Desejo da Mãe; se o psicanalista se compara com o santo é que ele não faz caridade; e o êxtase de santa Teresa é exemplar do gozo feminino.
A psicanálise por certo não é religião. Lacan a situa entre ciência e religião. “Entre”, quer dizer nem uma e nem outra.
Mas, de fato a ciência é o terceiro que não se pode excluir se quisermos entender: para Freud a ciência é aliada da psicanálise e seu ideal racionalista só pode excluir a religião. O ideal cientificista não se sustenta hoje. Hoje a ciência faz descobertas, e cada descoberta aumenta o tamanho do que está ainda por ser conhecido: o contato com um real desprovido de sentido só aumenta, trazendo desbussolamento, angústia.
A configuração das relações entre psicanálise, religião e ciência não é mais como no século XIX : está claro que a ciência excluiu do seu campo a questão propriamente subjetiva – não se pode medir a tristeza medindo as lágrimas; mas reconhecendo que religião e psicanálise se confrontam assim a questões da mesma ordem. Bastará isso para que possamos aproximar suas abordagens e suas respostas?
Alain Mouzat é professor da Universidade de São Paulo, doutor em linguística, e psicanalista membro do Instituto da Psicanálise Lacaniana.
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