Programas educativos às avessas 17/04/2013

Por Claudia Riolfi

No incidente em que o diretor de teatro Gerald Thomas enfiou a mão sob a saia da panicat Nicole Bahls, a inversão do jogo lança a questão: como educar para assumir a consequência?

Todo mundo viu: Gerald Thomas, o diretor teatral, enfiou a mão embaixo da microssaia da panicat Nicole Bahls no lançamento do seu livro “Arranhando a Superfície”. Enfrentando o “humor” do “Pânico na Band” com as mesmas armas dos “humoristas”: respondeu muito rápido a todas as questões e usou e abusou do nonsense. Para completar as gracinhas, explicando o inexplicável, fez um trocadilho com o sobrenome de Nicole Bahls e a palavra vulgar “balls” (usada para designar parte do órgão sexual masculino em inglês).

Como uma mensagem como esta poderia educar a população brasileira? Será que pais e mães de família têm mesmo razão ao ficarem preocupados quando seus filhos estão expostos a este tipo de programa ou de debate? Na direção de responder a estas questões, perguntei a opinião de pessoas de diversas faixas etárias, à condição de que fossem cultas e bem educadas. Partilho o que pensam a respeito.

Homem, 12, estudante: Passou no Pânico? Não, não vi. Se passou neste programa, só pode ser cretinice. Só as pessoas a quem não vale a pena dirigir a palavra na minha sala o assistem.

Homem, 13, estudante: Vi, sim, o caso travesti no Pânico. Achei um barato o Gerald Thomas procurando as “balls” da tal Nicole.

Mulher, 17, estudante: Passou a mão na gostosa do Pânico? Ai, que saco! Agora, vou ter que passar a semana toda lendo no Facebook: Machista, mulher-objeto, exploração da mulher, lenga-lenga, nhe-nhe-nhe-nhe…

Mulher, 28, jornalista: Só não entendi porque, após matar a cobra no Pânico, o Gerald Thomas teve que mostrar o pau.

Mulher, 35, médica: Só não sei o que eu vou dizer para meus filhos. Digo para a menina não se vestir como Nicole, para o menino respeitar as Nicoles da vida ou para os dois não confundirem livraria com motel?

Homem, 50, professor: Delicado escrever a respeito da mão boba do Gerald. Nicole sabe do pânico que causa com aquela roupinha, mas não podemos autorizar violência contra a mulher.

Mulher, 55, estilista: Concordo com Thomas. Se uma mulher não quer ser tratada como um objeto, não deveria se apresentar como um. A roupa é um cartão de apresentação como outro qualquer.

Homem, 60, psi: Gerald Thomas interpretou Nicole. Seu gesto devolveu à moça a sua mensagem. Bela invertida!

Homem, 84, advogado: Claro que vi a polêmica. Qual o problema? A produção do programa pensa que a tal Nicole estava vestida com roupa de rezar terço, por acaso? Achei a sequência muito coerente.

Não sei o que Thomas concluiu a respeito de sua pesquisa sexual, mas quanto a mim, acho que, ao menos naquele dia, Nicole tinha deixado as “balls” em casa. Foi inconsequente. Não incluiu a possibilidade de que seus planos dessem errado ao ir cutucar onça com vara curta e, depois, foi reclamar no Twitter.

Quanto aos pais e mães que se perguntam a respeito de que programas devem deixar seus filhos assistir, é hora de ampliar seu raciocínio. Precisam entender que, quando se trata da formação do caráter, o problema não está, localizadamente, em assistir isto ou aquilo. Pais e mães precisam enfiar a mão embaixo da saia de suas comodidades e entender que o buraco é bem mais embaixo. Em uma educação, o mais importante são os princípios rígidos, inegociáveis, que podem ser mobilizados para avaliar qualquer coisa a qual a criança seja exposta.

Estes programas deseducam na medida em que podem ensinar, falaciosamente, que tudo na vida é leve. Podem levar a crer que o sentido da vida são as conquistas imediatas. Podem fazer pensar que conquistou audiência, fica feliz; levou mão boba, fica triste. Podem dar a ideia de que há modo de simbolizar a morte e encontrar a justa proporção entre homens e mulheres. Podem fazer esquecer a maravilha de encontrar, no amor, um modo de dar sentido à vida. Que lástima. Frente a eles, o que pais e mães podem fazer é mostrar que, nesta vida, tudo tem consequência, inclusive, ser assustadoramente gostosa.

Claudia Riolfi é psicanalista e cursou pós-doutorado em Linguística na Université Paris 8 Vincennes-Saint-Denis. Professora na Faculdade de Educação na Universidade de São Paulo. Diretora Geral do IPLA.