Profissão Professar 16/01/2014

Por Ricardo Dias Sacco

Há uma nova geração de professores: aqueles que professam, que vão além do repasse de conhecimentos

Segundo o Jornal Folha de S. Paulo, de 31 de agosto de 2013, nos últimos três anos, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo criou e preencheu, por meio de concurso público, cerca de 34.000 vagas para professores em sua rede de educação básica. Porém, somente pouco mais de 1.500 professores permaneceram lotados em suas escolas. Uma matemática simples mostra que mais professores saíram do que entraram na rede estadual. Como ler esse fenômeno com a psicanálise?

Comecemos apontando que, no imaginário do senso comum, essa escolha profissional costuma ser alvo de censura moral. A Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP realiza anualmente sua Feira das Profissões, voltada, principalmente, aos vestibulandos. Para algumas carreiras, a procura é espontânea. No estande da Faculdade de Educação, ao contrário, a oferta de formação de professores ou é procurada “em segredo”, por adolescentes que debandam à francesa de grandes grupos, ou, quando em família, sob os signos da desaprovação geral. O pai, sempre presente, não se aproxima dos limites do estande. Exibe um olhar de desconfiança e menosprezo. Não estimula, apenas deixa a filha ou filho se informar a respeito dos cursos. Não é nada raro o pai ser professor.

Prossigamos ponderando a respeito de uma característica atual da formação dos professores que parece corroborar para o agravamento da situação inicial: o tecnicismo ligado ao tudo-poder-comprar do discurso capitalista. Ao tentar erradicar a polissemia e procurar transformar o significante em significado, o discurso pedagógico acaba por achatar o desejo do sujeito, conduzindo os futuros professores a uma inibição intelectual.

Trata-se de uma situação parente da perversão, compreendida como uma estrutura marcada pela negação da castração. Em outras palavras, ao invés de serem formados para lidar com as dificuldades, os futuros professores são convidados a manter uma sexualidade tendenciosa à infância, em que as finalidades justificam qualquer meios. Seu lema é: goze já! E, assim, o discurso da formação dos professores solapa a procura pela satisfação de um desejo natimorto.

Nesse contexto, incluir, de forma consistente, a escrita como ferramenta princeps de formação para o futuro professor pode evitar as catástrofes às quais nos remetemos no início do texto. Sabe-se que a escrita implica muito mais do que determinada sujeição à palavra. A relação com a língua, o narcisismo e a aproximação do texto ao efeito pretendido, os diferentes contextos, a disposição para preparação intelectual que envolve o gozo vivificante etc. A palavra não-toda, desconjunturada, fraturada, causa uma nova determinação, que é apreendida em ato pelo interlocutor. Acima de tudo, a junção do corpo à palavra, necessária para compor textos coesos e coerentes, parece poder mostrar a quem se forma que a satisfação total é impossível.

Nesse momento, talvez tenhamos uma nova geração de professores: aqueles que professam. Quando um professor professa, ele não está apenas repassando conhecimento. Ele está primordialmente apregoando, dando fé pública de que aquela matéria ensinada é humana e, portanto, incompleta. Está mostrando os limites de sua relação com essa herança, e, neste ato, convidando a próxima geração a aceitar a incompletude humana como um presente. 

Ricardo Dias Sacco é Mestre em Educação pela Universidade de São Paulo. Atualmente realiza Doutoramento em Educação, sob a conexão entre educação e psicanálise, na mesma instituição.