Por Emari Andrade
Mais que responder a perguntas, o livro convoca o leitor para mais trabalho e à responsabilidade
Você sabe como um professor de português se forma, trabalha e entende sua prática? Não? Agora você já pode saber a resposta dessa e de outras perguntas relacionadas à formação desse profissional. No último mês de novembro, foi lançado, pela editora Paulistana, o livro Professor de Português: Como se forma, trabalha e entende sua prática. Organizado por Claudia Riolfi, Professora Livre-docente da Universidade de São Paulo, o livro é formado por onze capítulos e consiste em um retrato multifacetado do trabalho desse professor, do norte ao sul do Brasil, hoje. Tendo a curiosidade como bússola, a obra analisa o que se ensina para o futuro professor; o momento do estágio e do seu registro em forma de relatório, além de olhar para as consequências da formação de professores nas salas de aula da escola básica.
De maneira sensível, a obra discute que um professor de Português é aquele tipo de pessoa que ou dá medo ou dá pena. Por que? Na introdução do livro lemos a resposta. No primeiro caso, basta ele chegar a uma festa e já encontrará com um engraçadinho dizendo: – Vamos ficar quietos, chegou o professor de português. Tratam-no como se ele fosse, ao mesmo tempo, uma enciclopédia, que tem todas as respostas a respeito de regras e exceções da norma culta da língua, e um guardião daquilo que, no imaginário popular, seria a expressão da língua ideal. Professor de Português não tem direito à dúvida. Professor de Português não erra nunca. Em termos psicanalíticos, é como se o professor não tivesse passado pela castração, fosse um ser “completo”, de outro planeta.
No segundo caso, o do profissional que causa pena, o problema, acima de tudo, é pragmático. Com tanta coisa para fazer na vida, como ocorreria a alguém estudar para dar aulas de Português? Essa pessoa pode até disfarçar, mas ela sabe: seus amigos e parentes consideram-na esquisita. Nunca lhe pedem conselho. Aliás, por que ouviriam alguém que não teve bom senso na hora da escolha de sua profissão? Por que levar em conta um pobre diabo que está condenado a passar a vida repassando insignificâncias e equilibrando o orçamento familiar para fazê-lo caber em salários mesquinhos?
Por trás desses dois sentimentos que o professor de português gera, uma coisa é certa: uma enorme parcela da população brasileira os desconhece. Ninguém sabe muito bem nem o que ele sabe, nem o que fez para vir a saber o que aprendeu e, tampouco, como utiliza seus conhecimentos no exercício de sua profissão.
Foi por esse motivo que, financiados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pesquisadores de várias universidades brasileiras se reuniram para desvendar esses mistérios. Fazendo das disciplinas especificamente voltadas para a formação de professores de Língua Portuguesa o objeto de investigação, debateram quais são os conteúdos e saberes por elas mobilizados; que textos, autores e demais materiais costumam circular nas salas de aula e, por fim, como os estagiários se organizam para colher e registrar saberes quando vão para o campo, supostamente na esperança de aprenderem como se faz para se tornarem professores.
Assim, mais que responder a perguntas, o livro convoca o leitor para mais trabalho e à responsabilidade. Em um país onde os jornais alardeiam que quase 50% dos alunos ingressantes nas licenciaturas não as concluem e em um estado onde, no meio dos anos 1990, houve um crescimento de 300% nos pedidos de exoneração no magistério público, cabe a cada um dar consequência ao que diz (LACAN, 1972) e trabalhar eticamente por uma educação de qualidade.
Diante do novo tipo de organização social (e escolar que vivemos), que a leitura e o desejo de cada um mobilizem os professores a assumirem o protagonismo na formação das novas gerações.
Emari Andrade é professora de português, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo e monitora do curso online do IPLA
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