Por Suelen Igreja
As escolhas de parcerias e as implicações para o futuro de jovens que desejam iniciar uma carreira acadêmica
Quem lê manchetes tais como “Candidatos de escola pública ‘puxam’ recordes de inscritos na Fuvest”[1] pode pensar que, tendo dado um basta ao “nhé nhé nhé”, os jovens advindos de escolas públicas brasileiras não estão recuando frente a desafios. Será? Ou será que escrever um nome na ficha de inscrição não corresponde, necessariamente, a ter realizado as ações necessárias para dar consequência a uma escolha declarada?
Dia 24 de novembro, 172 mil jovens e adultos vão realizar a prova da primeira fase do vestibular mais procurado do país: o exame promovido pela FUVEST (Fundação Universitária para o Vestibular). Concorrendo a 11.157 vagas oferecidas pela Universidade de São Paulo, uma matemática inexata mostra que, para conseguir a vaga, o desejo de cada pessoa precisa ser mais operacional do que o de 14,42 outras. Como é possível vencer a parada?
É comum que o interessado recorra aos cursos preparatórios para o vestibular, os famosos cursinhos. Como são onerosos, muitas vezes acabam tendo que se limitar a instituições que se dedicam ao ensino de moradores de periferia e, por conta de redução de custos, contratam professores recém formados. É quase cego guiando cego. Foi assim, pelo menos, que a autora se sentiu ao longo do ano de 2012, lecionando Língua Portuguesa a adolescentes com situação socioeconômica precária que queriam
ingressar em universidades públicas.
Que desencanto! Após seis meses, ao menos 60% deles tinha desistido; uma parte debandou para as “uniesquinas”, 12% continuaram no ano seguinte e 6 % ingressaram no tão sonhado ensino superior público. Para mim, era pouco!
Para além dos possíveis erros técnicos que posso ter cometido na qualidade de recém-formada, entendi que estes números expressavam que, ao longo do ano, apenas um frágil enlaçamento dos alunos com os estudos tinha sido obtido. O que, na qualidade de professora, eu não havia sido capaz de alterar? Entregar-me a este enigma à luz da psicanálise permitiu-me nomear dois dispositivos que foram utilizados pelos jovens para não ter de se haver com o desejo de ingressar na Universidade.
O primeiro é a reclamação paralisante, marcada pelo uso de desculpas furadas, pautadas no status quo. Analisando o que eles diziam a respeito do próprio cotidiano, percebemos que a expressão “tá difícil” era usada em um contexto que, objetivamente, não correspondia à descrição. Muitos outros jovens tinham obtido sucesso em contextos bem mais complicados… Por que eu não tinha sido capaz de dizer isso a eles claramente?
O segundo é a espera de um salvador, de quem aguarda alguém para resolver os problemas, postergando os estudos para quando o governo investir, para quando o apoio financeiro vier. Independente do seu sexo biológico, os alunos pareciam lindas princesas esperando, por cem anos, que seus príncipes lhe acordassem do sonho encantado de vestibulando sem esforço com um beijo nos lábios. Por que não fui eu a acordar-lhes com um balde de água fria?
Inicialmente, eu não tinha a menor ideia de como responder a estas questões. Então, resolvi proceder por comparação. Na qualidade de membro do Grupo de Estudos Produção Escrita e Psicanálise – GEPPEP, tenho testemunhado, já há vários anos, o impossível acontecendo, mesmo quando se trata de participante jovem, de baixa renda, inclusive. Por que, lá, a pessoa nem reclama nem espera? Um segundo olhar mostrou que o diferencial não é que ela não o faça, é que, quando ela tenta, não há ninguém para escutar.
A identificação histérica com os queixosos é quebrada com o foco constante no trabalho. Critica-se a produção do colega dura e impiedosamente e, quanto mais isto é feito, mais os laços são consistentes. Muitos são membros que, mesmo depois de terem concluído seu vínculo com a USP e assumido o cargo de docente em universidades Brasil afora, mantêm vivos seus vínculos com o grupo, inclusive para ele encaminhando seus alunos.
Perceber a diferença gerou-me um sentimento ambíguo: uma vergonha feliz. A primeira parte do afeto se deveu à percepção de que eu não havia sido capaz de barrar a tempo os efeitos de minha identificação histérica com o sofrimento de meus pobres alunos. Por este motivo, a primeira experiência docente após formada pela Universidade de São Paulo acabou sendo tão frustrante.
A segunda parte do afeto – a felicidade – poderia ser atribuída ao fato de que minha constatação me dava uma direção para o trabalho. No GEPPEP, o engajamento é ativo desde o primeiro instante. Os novatos, de cara, colocam a mão na massa, realizando tarefas que variam desde buscar café para as reuniões até debaterem trabalhos de colegas. O percurso é levado em consideração, havendo espaço para todos questionarem. O que não existe é um Outro consistente. Não tem nem choro nem vela.
A lição do meu primeiro fracasso é, portanto, um tanto atravessada: quanto mais você quer “ajudar” os seus alunos, mais colabora com a sua desgraça. De boas intenções o inferno está cheio.
Suelen Gregatti da Igreja é professora de língua portuguesa, doutoranda em educação pela Universidade de São Paulo e membro do corpo de formação do IPLA.
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[1] O Globo, 25 de setembro de 2013: http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/09/candidatos-de-escola-publica-puxam-recorde-de-inscritos-na-fuvest.html