Por Carlos Cortez
Uma população que usa o seu tempo lendo e votando ‘on-line’ propostas políticas é mais produtiva que uma que manifesta demandas imediatistas nas ruas
“Maria vai com as outras.” Assim podemos nomear os acontecimentos deste mês de junho nas ruas das principais cidades do nosso país e que foi gerado pelas redes sociais. Nasceram como viral, ressoaram o mal estar, como diz Jorge Forbes em suas publicações, mas mostram sobretudo como funciona o poder dos atuais meios de comunicação.
Viver conectado gera um custo emocional. Ou a pessoa faz parte das “Marias que vão com as outras” ou corre o risco de ser humilhada em segundos por milhares de pessoas. A rede é cruel e sustentar a singularidade, uma opinião própria, não é fácil, ainda mais nesse momento. Se junta a esse fenômeno o fato de que grandes redes de televisão “viraram a casaca” quando perceberam as proporções que as manifestações tomavam. Para as emissoras de TV, em questão de poucas horas, os que antes eram chamados de “baderneiros” tornaram-se “manifestantes pacíficos”. Seguiram a cartilha do “não remar contra a maré”, evitando um desgaste por ir contra o movimento da maioria.
No caso das passeatas de junho, a gota d´água que fez o barril transbordar não era o aumento do preço da passagem. Os motivos eram outros. O que movia, e ainda move as pessoas não tem nome e nem explicação. É um desejo e como tal sem forma. Alguns encontram numa passeata com os amigos, outros para ter uma foto pra guardar ou participar do concurso de melhor cartaz. Outros ainda adoram pular como se estivessem num estádio de futebol, ocupar um espaço que sempre souberam que era de todos. Todo mundo tinha e continua tendo seu motivo. E com razão quis e ainda quer dizer ao mundo que está descontente, principalmente, de ser chamado de “revolucionários do sofá”.
Os “revolucionários do sofá” foram às ruas e continuam encontrando motivos para isso. Passeatas são medidas extremas de uma população para lutar por seus direitos, quando estes são negados pelo Estado. Assim foi na primavera Árabe, nas “Diretas Já”, nos anos 80, ou a cassação de mandato de presidente, de Fernando Collor, nos anos 90. Em uma democracia, o direito de falar, ouvir e ser ouvido é, portanto, fundamental. A democracia inclui a condição de estar disposto a mudar de opinião caso os argumentos da contra parte sejam melhores
Mas, dizer que o Brasil acordou porque mais de um milhão de pessoas foi protestar é subestimar as infinitas possibilidades de uso das redes e, consequentemente, do sofá. Este, o sofá, é muito mais eficaz do que paus e pedras nas vidraças! Uma população que usa o seu tempo lendo e votando ‘on-line’ propostas políticas é mais produtiva que uma que manifesta demandas imediatistas nas ruas. Pois o espaço de discussão nas redes é muito mais amplo que nas ruas. Um bom texto ou uma boa ideia na rede ressoam com muito mais força que o confronto nas ruas com direito a vidros estilhaçados. Fazer circular ideias na rede só pode ser feito “portando uma bandeira”, escolhendo um lado. Quem, a partir da rede, divulga suas ideias responsabiliza-se por aquilo que foge à explicação, pois coloca no mundo uma opinião sujeita a ser aprovada ou rechaçada.
Está aí a dificuldade, dizer o que deseja, na rua ou no sofá e na rede social. Nem tudo o que dizemos querer é o que realmente desejamos e vice e versa. Contrário das “Marias que vão com as outras” trata-se de fugir da expectativa do Outro na rede, de tomar os bois pelos chifres, não atender à demanda que lhe é pedida e arriscar ser desaprovado. Pensar e publicar pensamentos na rede é um agir tão arriscado quanto apanhar nas ruas. Por isso, me confesso um legítimo revolucionário do sofá.
Carlos Cortez é psicólogo e membro do Corpo de Formação em Psicanálise do IPLA