Por que gostamos de notícias ruins? 11/12/2014

Por Alain Mouzat

A intriga, o nó da ação, se sustenta da situação infeliz

Num recente artigo o jornal Libération fazia o balanço da tentativa de um diário russo de lançar uma edição que só comportaria boas notícias. A surpresa é que o público não aderiu à iniciativa.

É obvio: a felicidade não nos conta nada. O conto de fada, fórmula elementar da narrativa, descreve, mesmo com final feliz, a luta contra as adversidades. Se elas não existissem não haveria história. Aliás, a história acaba quando a felicidade chega… “E viveram felizes para sempre…”. Não se tem mais nada a contar. A intriga, o nó da ação da narrativa, se sustenta da situação infeliz.

Obviedade também: a posição de leitor é uma posição externa. Gozamos da narrativa na exata dimensão em que dela podemos participar imaginariamente, mas que nela não somos implicados.

Em psicanálise, a queixa exerce exatamente esse poder de sedução de uma narrativa de nós mesmos. Ela se esgota, deixa de alimentar o gozo do sintoma quando se muda de posição para ser ator da própria vida. O drama narrado deixa lugar à surpresa e ao acaso. Até, quem sabe, pode deixar entrar instantes de felicidade, sem palavras.

Mas como deslocar alguém dessas narrativas gozosas que são as queixas?  Deixando-as se esgotaram até não poder mais, até que não haja nem mais bispo para se queixar?  É o quinhão do analista: ouvir essa repetição, sempre e sempre reiterada: da mãe que não soube dar amor, do pai que não soube dar lei, ou que deram demais…

Vimos, neste fim de semana, na nossa Conversação em São Bento do Sapucaí, na apresentação de casos da Clínica de Psicanálise do Centro do Genoma Humano, uma técnica empregada por Jorge Forbes: “Faça um diário de duas atividades durante a semana.” A passagem para a escrita da queixa pode possibilitar o descolamento do escritor de sua narrativa e essa enfim aparecerá como o que é: uma repetição chata do mesmo.

A queixa se parece mais com o conto de fada cuja estrutura engessada sempre foi sublinhada. Pequeno polegar ou bela adormecida, perdidos na floresta hostil do mundo, perseguidos pela bruxa malvada e o ogro faminto, esperando o socorro do talismã ou do príncipe que resolveriam… mas sem desenlace.

Mas nem notícia ruim, nem conto de fada, a psicanálise é um convite à escrita criativa, a da própria vida.

Alain Mouzat é professor da Universidade de São Paulo, doutor em linguística, e psicanalista membro do Instituto da Psicanálise Lacaniana