Por Carla Almeida
Em Verdades Secretas não há nada que, no século XX, já não tivesse aparecido em Álbum de Família, uma peça teatral brasileira, escrita por Nelson Rodrigues em 1945
Concluída há pouco mais de um mês, a novela Verdades Secretas, escrita por Walcyr Carrasco, provocou grande alvoroço nas redes sociais ao levar a temática do incesto para as telas. Nas redes sociais, ao comentar Verdades Secretas, as pessoas aproveitaram para afirmar que a novela seria uma prova de que hoje, dado o afrouxamento do simbólico, pode tudo. Muita gente se alarmou dizendo que, nos dias de hoje, o sexo entre pais e filhos não é mais um interdito. Será?
Não é para tanto. Em Verdades Secretas não há nada que, no século XX, já não tivesse aparecido em Álbum de Família, uma peça teatral brasileira, escrita por Nelson Rodrigues em 1945. Trata-se de uma tragédia em três atos que retrata uma rede de paixões incestuosas e de perversões diversas. Foi proibida no ano seguinte à sua publicação e liberada para encenação 20 anos depois, em 1965.
Vejamos como Rodrigues pinta a família do século XX. Jonas, o patriarca, tem o hábito de trazer garotas de 12 a 16 anos para casa para desvirginá-las. Com isso, quer extravasar o desejo sexual que sente pela filha caçula, Glória. O primogênito, Guilherme, também se sente atraído pela irmã Glória. Para evitar a consumação do seu desejo acabou se castrando. Já o segundo filho, Edmundo, é perdidamente apaixonado pela mãe, D. Senhorinha. Esta, por sua vez, nutre um amor proibido pelo terceiro filho, Nonô. Tendo enlouquecido subitamente, Nonô se põe a correr nu pelos campos da fazenda onde se passa a história, urrando e gritando constantemente.
O psicanalista acostumado a escutar a tragédia humana nem estranha tanto. Não são tão incomuns as histórias de mulheres que se envolvem com homens que abusam das filhas. Em alguns casos, inclusive, oferecem as filhas para não perderem o companheiro.
Walcyr Carrasco conhece essa realidade. Relatou que, para escrever a série, se inspirou em relatos verídicos de mulheres que perderam seu segundo marido para suas filhas. Em Verdades Secretas, o rico e sedutor empresário da indústria têxtil Alexandre (Rodrigo Lombardi) se casa com Carolina (Drica Moraes) apenas para ficar perto de sua filha Arlete, conhecida como “Angel” (Camila Queiroz). Portanto, a trama da novela lembrou Nelson Rodrigues quando afirmou que “[…]. Toda família tem um momento em que começa a apodrecer. Pode ser a família mais decente do mundo. Lá um dia aparece um tio pederasta, uma irmã lésbica, um pai ladrão, um cunhado louco. Tudo ao mesmo tempo. ”.
O fato de existirem histórias trágicas dentro das famílias implica a derrocada do tabu do incesto? Em hipótese alguma. Se a moral muda de acordo com os avanços sociais, nada muda a ética da responsabilidade. Nenhuma mudança social pode justificar a mãe que, vivendo em um mundo cão, oferece sua filha como objeto de gozo de quem lhe der mais. Tampouco pode abonar a saída encontrada por Carolina, em Verdades Secretas: o suicídio. Em um tempo no qual as tradições e os bons costumes não mais imperam, cresce a importância dos laços amorosos.
Carla Almeida é Psicanalista, Bacharel em Direito e Especialista em Educação.
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.