Por João Francisco Rüdiger Verona
Crise chama à criatividade. Afinal, o que está em jogo numa crise é nossa convivência e, por que não, nossa conveniência
Temos a responsabilidade, como seres humanos capazes de construir uma civilização, de gerenciar politicamente recursos naturais e tecnológicos. Entretanto, a forma como organizamos simbolicamente nossa sociedade repousa sobre paradigmas obsoletos, porque não dão conta das exigências do futuro. Fantasiamos, quando pensamos que o nosso sistema financeiro seja capaz de intermediar exclusivamente nossas relações econômicas. Poderíamos compartilhar produtos, conhecimentos e serviços e dar mais eficiência aos recursos que somos capazes de gerar com nosso esforço comum. A matriz energética centrada em energias não renováveis tem custado um alto preço ambiental. A temperatura do ambiente aumentou nas últimas décadas em níveis alarmantes. Não empregamos nossos esforços e as tecnologias que já inventamos para conseguirmos energia mais eficiente. Vamos precisar dessa energia para assegurar nosso estilo de vida baseado na tecnologia da informação.
Usamos e abusamos do espaço público como se fosse privado usando veículos que, na maior parte do tempo, estão parados e quase desocupados. Novamente: por que não compartilhar carros, bikes, motos, patinetes?
Nosso sistema político não está em crise por nada. Ele é a crise. É criativo. Cria constantemente problemas. O Estado deixou de ser um gestor da sociedade. Dedica-se ao jogo de interesses de quem não está interessado em mudanças. O Estado e a identidade nacionais são fantasias que não correspondem a uma sociedade globalizada conectada, com problemas mundiais e questões locais. As grandes cidades globais já se tornaram mais relevantes na invenção de soluções políticas, econômicas, sociais e ambientais do que os velhos Estados nacionais.
Temos uma rede de informação que permite uma comunicação constante e a potencialização de recursos que, hoje, são deficientemente explorados. Com esses recursos tecnológicos e produtivos que se reinventam constantemente, desde já, seria possível fazer com que ninguém passasse fome e nem tivesse a necessidade de dormir ao relento.
Morar perto do serviço é hoje um luxo. Não precisava ser. Já existe um estilo de vida que atrai novamente as pessoas a ocuparem os espaços centrais das cidades. Basta, em São Paulo, dar um passeio aos sábados na região da rua Augusta e da avenida Paulista para constatar que há um desejo das pessoas de se aproximarem na rua, nos bares, nos teatros, nos cinemas.
Já estamos substituindo, e necessitamos fazer isso, nossa maneira de agir e pensar. Cada um de nós, singularmente e em rede, já está transformando o cenário no dia-a-dia. A crise começa sobretudo com cada um de nós mesmo. Se um-a-um e todos juntos assumirmos a responsabilidade da decisão de compartilhar bens e serviços, de passar do querer mais para o querer melhor, de se abrir a novos cardápios políticos que fogem de coxinhas e pão com mortadela, de abrir novas possibilidades de interlocução política e de gerir nossos recursos de uma maneira criativa e solidária, a crise terá cumprido seu papel.
João Francisco Rüdiger Verona é designer de games.
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