Camilo E. Ramírez-Garza
A ciência moderna ainda não produziu um medicamento tranquilizador
tão eficaz como o são umas poucas palavras boas
Sigmund Freud
“Pílulas de psicanálise: aforismos e sentenças de Jorge Forbes” é o título do novo livro do psicanalista brasileiro Jorge Forbes, organizado e instituído de forma extraordinária por Letícia e Teresa Genesini, apresentado no dia 16 de maio na cidade de São Paulo, Brasil. Evento que tive o prazer de participar.
Por que um livro como do Forbes é importante nesses tempos (que em breve teremos sua versão em espanhol)? Por muitas razões, vamos comentar algumas delas: porque no laço social em que estamos vivendo — laço social horizontal, múltiplo e variado, cheio de opções e possibilidades —, embora seja possível legitimar novas formas de vida-morte, amor, aprendizagem, trabalho… caracterizadas pela criatividade e responsabilidade, também pode ser um gatilho para o surgimento de tendências de “volta ao passado”, pois acredita-se que o antes tenha sido melhor, com a proliferação do medo, vigilância e controle como estratégias e posições de vida. Isso, claro, diminui muito o impulso criativo que caracteriza o ser humano, ao mesmo tempo em que aumenta o sofrimento, deixando as pessoas em estado de crise, que, por sua vez, é aproveitado – e capitalizado – por gurus da motivação, pela psicologia positiva e outros influenciadores da autoajuda, que não apenas propõem soluções simplistas, mas também amplificam o sofrimento com suas promessas de desenvolvimento, tentando despojar o humano de sua complexidade. Complexidade e estranheza que não devem ser transformadas em sofrimento, mas, sim, trabalhadas para serem o motor (desejo) de algo mais na vida. Essa coisa além —isso do além que é aqui na vida— é do que a psicanálise trata. Isso permite que cada um de nós faça suas próprias escolhas sem seguir uma ideia inexistente e única de vida feliz, saudável, perfeita…
Já se passaram mais de 123 anos desde que Sigmund Freud criou a psicanálise e, hoje, podemos dizer: ela está mais viva do que nunca. Porque diante da onda do politicamente correto e da imposição de um dever ser, a psicanálise continua dando o que falar, libertando o sujeito dessa imposição, única e geral, para dar lugar à realização de vidas singulares e qualificadas; sem transformar o estranho que habita em cada um de nós em sofrimento. Retificando subjetivamente nossas posições diante de nós mesmos, dos outros e da vida. Como isso é feito? De formas variadas e flexíveis — não poderia ser de outro modo. Mas podemos dizer isso da maneira mais simples e corajosa. Freud falava a seus pacientes – como ainda hoje o psicanalista diz a seu paciente– “fale tudo o que lhe vem à sua cabeça, por mais ilógico, sem sentido e vergonhoso que possa parecer”. O método psicanalítico implica a libertação da palavra, não pretendendo governar o discurso de modo algum, para que “alguma outra coisa ” (o inconsciente) se mostre como organizando uma cadeia de ideias, uma lógica da qual participamos sem nos darmos conta e que condiciona a forma como pensamos, nos comportamos e até sentimos – no sentido mais fisiológico do termo. Até nos depararmos com a possibilidade/impossibilidade das palavras, que, embora nos revelem algo, há também “algo a mais” não dito, impossível de simbolizar, que resiste a ser consciente, que precisa ser respondido de outras formas: através da invenção e da criatividade responsável diante do vazio de nossa essência humana. Diante das perguntas: O que é viver? O que significa ser eu? O que devo fazer?… Cabe a cada um responder por si mesmo, não esperar que seja alguém ou algo para responder por nós, “estamos sozinhos e sem desculpas” (Sartre).
A psicanálise desenvolvida por Jorge Forbes, em parceria com os colegas psicanalistas do Instituto da Psicanálise Lacaniana (IPLA), com sede em São Paulo, Brasil, está longe de ser uma psicanálise de museu, ancorada no passado, para ser uma psicanálise que lida com o que acontece nas ruas do mundo de hoje, século XXI. Uma psicanálise da implicação, que oferece uma escuta atenta, que responde à psicopatologia cotidiana, que igualmente relaciona-se com a educação e empresas, com a genética do mais alto nível, com a tecnologia e a cibernética, as artes, o direito e as questões de governavilidade. Abrindo pontes e canais de diálogo que consigam articular as diferenças e possibilidades criativas desse novo mundo que todos habitamos, chamado por Jorge Forbes de TerraDois.
Artigo publicado em espanhol no jornal El Porvenir (Monterrey, Nuevo León, México, 17/05/2023)
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Camilo E. Ramírez-Garza é psicanalista, tradutor e professor na Facultad de Psicología da Universidad Autónoma de Nuevo León (UANL), Universidad de Monterrey (UDEM) e no programa de Doutoramento em Artes e Humanidades do Centro Multidisciplinario en Ciencias, Artes y Huamanidades de Monterrey, em Monterrey, Nuevo León, México.