Por Letícia Genesini
Entrar na corrida e se apaixonar por seu poder transformador – não adianta explicar, precisa correr para sentir
Se você corre há um certo tempo as provas de rua de São Paulo, já deve ter visto essa cena: uma festa na linha de chegada, com corredores de todos os portes e crianças cadeirantes que se abraçam entre sorrisos e balões coloridos. É o Pernas de Aluguel, uma iniciativa que emociona muitos, mas poucos conhecem sua história.
Tudo começou com Eduardo de Godoy. Engenheiro e gastrônomo, Edu é como muitos, que entrou na corrida e se apaixonou por seu poder transformador (não adianta explicar, precisa correr para sentir). Mas o que ele criou a partir disso, poucos fizeram.
Voluntário há 14 anos do Rainha da Paz (Santana do Parnaíba), seu trabalho com crianças e adolescentes com deficiências múltiplas antecede em muito sua relação com a corrida. Mas algo se conectou quando ele se deparou com a história do Dick Hoyt e seu filho Rick Hoyt. Rick nasceu com paralisia cerebral devido a complicações no parto, mas isso não impediu o rapaz de se tornar um aficionado por esportes. Seu pai, sabendo dessa paixão, e determinado a provar as possibilidades que a vida oferecia a seu filho apesar da paralisia, propôs, aos 36 anos e sem nunca ter feito provas de corrida de rua, que os dois completassem juntos uma prova de 5milhas. Hoje a dupla já cruzou mais de 1.000 linhas de chegada, incluindo 72 maratonas e 6 IronMan. Depois de conhecer, e se emocionar com essa história, Edu sabia que tinha algo mais a oferecer, e criou o Pernas de Aluguel.
Ter a ideia levou coragem, executá-la, persistência. Para começar, Edu precisava de um triciclo adaptado a corridas e, o que ele pensou que seria o empecilho maior, dinheiro para conseguí-lo. À revelia, o apoio financeiro veio rápido, mas levou um ano e meio para ele achar quem pudesse executar o projeto de engenharia. Isso só aconteceu com as indicações de Dani Nobile (que já contamos um pouco da história aqui), que ele conheceu numa meia maratona da Asics Golden 4 em que ela foi campeã na categoria de cadeirante. Desde então, Dani, é madrinha do projeto.
Com triciclo em mãos, a primeira corrida do Pernas aconteceu em 02/11/14, sem modéstias, na meia maratona do circuito Athenas (porque se é pra fazer, vamos fazer direito!). O time do Pernas contou com seis cadeirantes: um do Rainha da Paz, e os demais filhos de pais corredores que abraçaram a ideia de Edu. Agora, por que apenas uma criança do Rainha da Paz?
Não, não é o triciclo. Até hoje o desafio maior do Pernas não é conseguir o dinheiro para o triciclo, ele virou o símbolo da alegria da linha de chegada, e empresas às vezes até os doam. O problema, como sempre, está no trabalho que ninguém presencia. As crianças do Rainha da Paz moram em endereços que não aparecem no Waze. Para levá-las até uma corrida que tem sua largada às 7h, o motorista inicia seu percurso às 3h da manhã, horário que muitos pais não querem acordar nem mesmo para vestir os filhos. A kombi adaptada para o transporte também só consegue levar com segurança duas crianças. Ela é fornecida pelo Rainha da Paz, mas os encargos do motorista, pedágio, estacionamento ficam por conta de Edu. E no final, são quase R$1.000 para levar apenas duas crianças (enquanto um triciclo custa R$2.000). Além de recursos financeiros para toda essa logística, o Pernas precisa de pessoas. Hoje são mais de mil atletas cadastrados que colaboram e correm com o movimento, e cruzam a linha de chegada – mas faltam pessoas para os momentos inglórios. Para as viagens de carro de madrugada, e para, de alguma forma, agregar as famílias que vivem numa realidade muito diferente do calendário de corrida de rua paulistano.
Mas mesmo com todos esses empecilhos e dificuldades, Edu garante que até hoje se emociona. “O Pernas não é só uma corrida, ele está proporcionando muito mais coisas além corrida. Irmãos voltam a se falar, pessoas começam a correr só para participar…”. Como ele mesmo diz, e como todo corredor bem sabe, a corrida é um fechamento de algo muito maior.
NOSSA HISTÓRIA COM O PERNAS
Neste final de semana, pela primeira vez tivemos o prazer de conhecer e participar de uma corrida com o Pernas, e podemos garantir que é uma experiência enriquecedora e inesquecível….
Leia o relato dessa experiência no Portal São Paulo Saudável http://saopaulosaudavel.com.br/pernas-de-aluguel/
E quer um conselho? Vá. Vá, e corra, mas não pare por aí. Como Edu fez ao conhecer o Team Hoyt, se emocione, mas descubra o que você também pode oferecer a partir dessa emoção, nem que seja sair por aí contando para todo mundo. E lembre-se do lema do Pernas de Aluguel: “é obrigatório se divertir”!
Letícia Genesini é escritora, estrategista e uma das fundadoras do portal São Paulo Saudável.
Artigo escrito a quatro mãos por Marianne Meni e Letícia Genesini. Publicado originalmente no Portal São Paulo Saudável: http://saopaulosaudavel.com.br/
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