Por Griseldis Achôa
De Carlos Drummond de Andrade, o verso que intitula esse texto ilumina o caminho para quem quiser se debruçar sobre o desafio e o mistério que envolve o estudo das Psicoses
Nossa trajetória começou às nove horas da manhã de um sábado bem paulistano, com friozinho, garoa e quase ninguém nas ruas. A bela casa do Instituto da Psicanálise Lacaniana – IPLA, em uma vila na Rua Augusta, fervilha de gente e é puro desejo e curiosidade.
O Curso Sábados no IPLA dedicou-se às Chaves de Leitura para o Seminário 3, de Jacques Lacan, As psicoses. Na aula de abertura – A psicose e o empuxe à mulher –, fomos apresentados por Dorothee Rüdiger, psicanalista e doutora em Direito, ao texto que fundamenta o estudo das psicoses em Sigmund Freud. O trabalho freudiano se deu a partir da análise do relato de um caso de paranoia, narrado por Daniel Paul Schreber no livro “Memórias de um doente dos nervos”, de 1903.
Ao ser indicado para o cargo de Juiz Presidente do Tribunal da Saxônia, Schreber desencadeia uma psicose. Em seu delírio, se crê e se vê como a mulher de Deus. Na análise que faz deste texto, Freud questiona o papel do pai, ortopedista conhecido na Alemanha, por ter preconizado métodos repressivos de educação, visando particularmente a estabelecer formas de contenção emocional e supressão de “sentimentos imorais”.
Próxima parada: a psiquiatria. O psiquiatra e psicanalista Ariel Bogochvol trabalhou a clínica diferencial das psicoses. Discorreu sobre a construção histórica das diferentes formas de classificação das neuroses e das psicoses, seus sintomas e os fenômenos elementares como as alucinações e os delírios.
Bogochvol salientou que na clínica das psicoses observam-se as alterações de significação e da linguagem pela criação de neologismos. O que não pode ser simbolizado na psicose aparece no real do corpo.
O próximo a nos conduzir pelos caminhos do Sábado no IPLA é o psicanalista Alain Mouzat. Sua aula intitulada “O que se chama o pai” faz referência ao pai como função simbólica, aquele que une o desejo à lei regrando a satisfação humana. Pai como um lugar e um operador simbólico. O Nome-do-Pai que, ao separar o filho do desejo da mãe, instaura a falta fundamental e possibilita à criança se tornar um ser desejante.
O encerramento contou com a aula O tratamento psicanalítico das psicoses hoje, por Liége Lise, que privilegiou a clínica, definida como um dispositivo artificial, dando destaque ao tratamento pela palavra, sob transferência, para o tratamento do esquisito e do estranho. Apresentou dois paradigmas psicanalíticos: em Freud, a histeria e o inconsciente; em Jacques Lacan, a psicose e o Real.
O analista lacaniano, ao ocupar a posição clínica de Secretário do Alienado ou como parceiro daquele que dá o testemunho de seu sofrimento, não deve recuar diante da psicose, como orientação ética transmitida por Jacques Lacan.
Ao estar na posição de Secretário do Alienado, o analista propicia o trabalho de testemunho e a escrita do real na psicose, ressaltando a dimensão da palavra nomeada por Lacan como “alíngua”, forma de privilegiar o significante que causa o gozo. Conforme Jorge Forbes, emprestar consequência, responsabilizando o analisante pelos seus sintomas é a direção clínica.
A psicanálise lacaniana pensa a psicose não como um déficit, acena para a “falta-a-ser” fundamental inerente a subjetividade. Nas palavras de Jacques Alain Miller, em seu texto Clínica irônica: “Diante do louco, diante do delirante, não se esqueça de que você foi ou é analisando e que você também fala de coisas que não existem”.
Griseldis Achôa é Doutora em Engenharia pela Escola Politécnica da USP. Psicanalista, membro do Corpo de Formação em Psicanálise do IPLA.