Por Alain Mouzat
Liberdade igualdade fraternidade, não são só palavras inscritas no frontão das escolas na França: elas são o ideal republicano que a escola tem a carga de pôr em prática e de transmitir
Estamos hoje na França na véspera do dia de voltas às aulas “ la rentrée”, data importante na vida dos franceses, não só pelo início do ano escolar, mas sim pela volta das férias, o recomeço do ano. “Ano escolar”, costuma-se chamar, mas é mesmo um ano civil também, o momento depois das férias em que as coisas séries começa: vida política, os impostos, tudo. Um tipo de quarta-feira de cinzas, levada a série, que impacta até no humor dos franceses.
A Escola e a França são duas entidades cujos destinos são extremamente ligados na mente dos republicanos. Liberdade igualdade fraternidade, não são só palavras inscritas no frontão das escolas: elas são o ideal republicano que a escola tem a carga de pôr em prática e de transmitir. E os franceses não foram pouco orgulhosos de sua “escola púbica gratuita, laica e obrigatória” que, desde as leis de 1882, moldou o espírito de gerações aos ideais democráticos da república.
Mas hoje a situação mudou, vários alertas avisaram os franceses: a insatisfação dos pais e dos professores, a evasão e o fracasso escolares que resistam a qualquer pedagogia ou reforma administrativa, o fracasso na integração dos jovens oriundos da imigração… mas o golpe de misericórdia, o veredito preto no branco, claro e sem apelação foi a pesquisa do PISA (Programa for International student assessment) realizada em 2012 e cujos resultados foram publicados em dezembro 2013: a escola na França não reduz a diferença social, mas a reproduz e , até, a amplifica.
Numa recente entrevista ao jornal Le Monde, Yann Algan , professor de sociologia e co-autor de A Fabrica da desconfiança, explica: “a escola francesa é o arquétipo da escola vertical”, diz ele, “o docente professa no quadro negro, enquanto o aluno já sabe desde cedo que o que se espera dele são boas respostas e não boas perguntas”. Resultado: um professor que se isola frente ao coletivo de alunos, e alunos que trabalham cada um por si, em capacidade de troca e de elaboração colaborativa.
Há urgência em tratar o problema pois, identifica o autor, ele acaba contaminando a sociedade como um todo, que acaba se entregando à desconfiança : desconfiança em relação ao emprego, ao governo, e de modo mais amplo aos outros. O francês é campeão do “infortúnio público”, isto é, de rejeitar a responsabilidade de sua insatisfação nos outros, seja governo, educação nacional etc.
A escola agrave as desigualdades porque no modelo atual porque é baseado no confronto de cada um frente ao universal do saber. Mas, contrariando o ideal de igualdade, cada um traz uma resposta singular que se alimenta no seu meio social, familiar, nas suas condições mais heterogêneas. Daí, diz o autor, a necessidade de passar de uma escola fundamentada na universalidade de um programa para todos, destinado a um aluno ideal, a uma escola que visa a “maximizar as capacidades de cada um”.
Mas como e o que mudar? As diretrizes do ministério, os meios tecnológicos, como sugere o entrevistado do Monde, podem sem dúvida muito, mas não se poderia pensar que a mudança mais radical deveria vir dos mesmos atores da educação?
A importância da escola na França na reprodução de uma meritocracia republicana, o engessamento das instituições e do estatuto e da formação dos docentes não deixam esperar uma mudança rápida.
Lendo a entrevista não pude deixar de me lembrar de uma conferência de Jorge Forbes de 2005, onde ele conclamava para uma escola orientada pelo real, na qual encontro, mais de dez anos depois, uma radiografia muito mais precisa e vias de respostas muito mais convincentes: a impossibilidade do tudo saber, implica o que Jorge Forbes vai chamar de “ solidariedade”, uma relação fundada no saber que falta a cada um e que só pode se estabelecer na troca com o outro. Não um mestre todo poderoso, nem um mestre amigo, mas um mestre solidário, no sentido em que solidariedade pode ser pensada como “articulação mutua da solidão” .
Alain Mouzat é professor da Universidade de São Paulo, doutor em linguística, psicanalista e membro do Instituto da Psicanálise Lacaniana.
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