Por Evandro Limongi Marques de Abreu
Já não bastam as desculpas de sempre – há que se adotar outra ética ….
Homicídios sem motivação conhecida e autoria apurada. Chacinas em presídios, com cadáveres empilhados e cabeças cortadas por um grupo que não admite a diferença, o dissenso. Revides por mortes a gerar mais mortes em periferias e morros, nos quais gente espremida, como nos vagões de trens lotados em horários de pico, já não sabe mais no que se segurar. Tudo isso choca, impressiona e provoca.
Já não bastam as desculpas de sempre: facções rivais misturadas; o sistema prisional falido; tráfico de drogas; vingança pelo “irmão” de farda (ou não) abatido; ausência do Estado; o “eu estou certo e o outro está errado” e mais o que se possa usar para encobrir o fato de que, ante a insuficiência da palavra, de sua mediação, chega-se sem mais à realização de ato bruto e frio.
Atônito, o jurista se revolve em literatura, pede auxílio ao criminólogo, ao sociólogo, estudiosos de uma violência tipicamente urbana e inusitada que aliena os que dela se defendem preferindo negá-la ou ignorá-la. Porém, se faz necessário o jurista ter contato com o psicanalista lacaniano e saber que a violência é um dos novos sintomas da pós-modernidade, do desbussolamento, como diz Jorge Forbes. Não basta procurar em teorias sedimentadas soluções para problemas contemporâneos. O problema implica. Está na hora da invenção, da responsabilidade, da ancoragem do excessivo e sem limite, do gozo desenfreado de uma das sociedades mais violentas do planeta.
Sem um sentido dado ou regulação mínima, esboroado o Pai, esvaziado o Simbólico, o sujeito acede ao imediato, ao sem instância. Mergulha no Real tão nu quanto veio ao mundo, sem-pai-nem-mãe, “sem lenço e sem documento”, como lembra Caetano Veloso. Mas, sem alegria alguma! E a civilização? Laço social: ainda é possível haver um? Em época de terror, de “Direito Penal do Inimigo”, como conceitua Günther Jakobs, o estado da arte do direito penal, Caim dita comportamento e o diabo regra de etiqueta. Então, é para o fim que se caminha? Que nada!
Há quem aposte na truculência estatal, em leis mais severas. Outros exigem a regulamentação das drogas. E há quem entenda poder combater tamanho mal-estar com políticas públicas aptas a diminuir a criminalidade. Embora haja certa escuta pelos juristas e cientistas sociais, falta quem se disponha a estabelecer possibilidades para que a fala de quem sofre a angústia da vida pós-moderna seja ouvida.
Sem isso e o emprego dos bisturis clínicos psicanalíticos mais adequados, não há como se pensar a almejada solução a um laço social que virou nó cego. Para um novo laço social, um novo amor, há que se adotar outra ética – a da Psicanálise. A que se tem não presta mais!
Evandro Limongi Marques de Abreu é advogado, psicanalista e professor universitário