Por Dorothee Rüdiger
A professora da law school da Universidade do Sul da Califórnia, que sofre de uma psicose esquizofrênica, conta numa TED Conference que, através da ajuda de amigos, da família e de seus psicanalistas, tornou-se uma das maiores experts em direito e psiquiatria
Confesso que me senti surpresa, quando assisti, pela primeira vez, à TED conference dada pela jurista norte-americana Elyn Saks e transmitida por um canal de televisão na internet. A senhora que estava falando, titulada com um doutorado em direito e outro em teoria psicanalítica, autora de uma rica produção científica no campo do direito e da psiquiatria, declarou-se portadora de uma esquizofrenia grave. Custava-me crer que a professora formada por uma das melhores escolas de direito do mundo estava falando de si e de sua “viagem pela loucura”.
Delírios e alucinações acompanharam sua vida desde sua juventude. Sem pudor, mas não sem humor, contou de seus surtos, suas crises, suas internações e, principalmente, da dificuldade das pessoas de seu convívio lidar com aquilo que ela descreveu ser uma das circunstâncias de sua vida, a psicose.
“Você tomou drogas?” Não poderia haver outra explicação para as alunas do primeiro semestre da Faculdade de Direito da Universidade de Yale para o estranho comportamento de sua colega do grupo de estudos que, de repente, resolveu subir no telhado da biblioteca e cantar. “Não consegue fazer sua lição de casa” foi o diagnóstico da equipe que a internou em seguida, ateando-a numa cama pelos pés e pelas mãos. Fora da faculdade e das suas faculdades, fora da normalidade, corria o sério risco de viver, como tantos outros, à margem da sociedade.
Quem, como a professora da law school da Universidade do Sul da Califórnia, sofre de uma psicose esquizofrênica, sente na pele, principalmente, o que é o estigma social que a acompanha: o da sentença da incapacidade e da consequente condenação de passar o resto da vida a trabalhar em subempregos, quando não no túmulo da ala fechada de uma clínica psiquiátrica.
Ela resistiu. Contou como, através da ajuda de amigos, da família e de seus psicanalistas, tornou-se uma das maiores experts em direito e psiquiatria.
Em seus artigos e livros, questiona a linha divisória, presente no direito e no imaginário da sociedade a qual empresta suas normas, que divide os sujeitos de direito entre “normais” e doentes mentais. Do lado de cá dessa linha estão os sadios, os dotados de razão e capacidade, do lado de lá, os doentes, incapazes criminosos e marginais. Está, enfim, uma população imensa que sofre de ausência de tratamento nas prisões, de todo tipo de violência física e química nos hospitais psiquiátricos ou ainda da invisibilidade de quem foi posto a perambular nas ruas. Elyn Saks fala dos Estados Unidos e de uma vida que a teria esperado, não fossem seus psicanalistas, seus amigos e familiares, como diz.
Sendo jurista, aponta que o trato dispensado a quem sofre de uma psicose está profundamente arraigado na imagem que a lei e a sociedade modernas desenham do ser humano como dono de si, enquanto desde a descoberta do inconsciente, por Sigmund Freud, sabemos que o ser humano “não é dono em sua própria casa da razão”. Já que é assim, independentemente da nossa estrutura psíquica (neurótica, psicótica ou perversa) podemos ter a capacidade de conviver em sociedade, trabalhar, produzir, criar de acordo com nosso talento.
No entanto, o que a professora deixa claro em sua conferência é que cabe a cada um encontrar suas condições para viver uma vida plena. Tais condições que não dependem da lei ou da política que a sociedade dispensa aos que julga doentes mentais. A cada um é dado amar e ser amado. Amar na transferência da psicanálise, verdadeira clínica do amor, amar estabelecendo laços familiares e de amizade. Trabalhar e amar, ela conclui homenageando Sigmund Freud, é o que todos nós queremos e, por isso, merecemos.
Dorothee Rüdiger é psicanalista e doutora em Direito pela Universidade de São Paulo