Para a juventude desorientada de Aichhorn, hoje. 16/04/2015

Por Helainy Andrade

Os educadores, os governantes, os analistas vão sempre trabalhar com o que não dá certo. Daí o convite à invenção. 

“Um guia de museu, com espelho numa das mãos e injeção de graça na outra.” Essa é fórmula particular e autoral a que chegou um grupo de professores, debruçados sobre o seu trabalho de mediar o acesso à cultura, sem que isso se confundisse com facilitar a vida do aluno.

Educar, governar e analisar são três profissões impossíveis. Freud disse em 1925, no PREFÁCIO À JUVENTUDE DESORIENTADA, DE AICHHORN. Aliás, esse título merece um breve comentário. Costumamos ouvir muitas queixas, desesperadas, inclusive de professores, sobre a piora crescente no comportamento dos jovens. No entanto, não precisamos nem ler o texto de Freud para saber que a desorientação não é exclusividade do nosso tempo e nem da juventude. Diz das paixões humanas, que habitam, principalmente a juventude, independente do tempo e lugar.

É impossível orientar completamente alguém. Ufa! O ser humano é estruturalmente teimoso e desviante. Daí que é exatamente por isso que somos convidados a incluir o que não dá certo, tentar de novo, a cada vez. Ao retomar essas três missões impossíveis, Freud não é pessimista, ele só não é ingênuo! Nos inspira a dar mais rapidez na resposta à vida. A vantagem de saber que algo falha ou escapa é não ter que perder tempo no muro das lamentações, antes de ir fazer logo o que tem que ser feito. E isso inclui insistir na mesma tecla, mas, de preferência, não para fazer um texto de uma letra só, mas para inventar outros muitos Boleros de Ravel.

Os educadores, os governantes, os analistas vão sempre trabalhar com o que não dá certo. Com o que volta sempre, ao mesmo lugar, de novo, ainda, mais. Já sabendo disso, fica menos difícil colocar-se na posição semelhante à do artista, que é incansável em dizer do mesmo, mas sempre de um jeito diferente.

“O professor guia de museu, com espelho numa mão e injeção de graça na outra”, é uma das boas formas de fazer isso. O guia é aquele que não espera que o visitante saiba sobre o que vai encontrar. Ele está lá para despertar os sentidos. Inquietar. Contar o que o outro não sabe. Ele está ali para despertar o olhar para o que pode ser descoberto.  A injeção de graça é acionada quando aquele que foi tocado, faz ecoar para outros o que lhe impactou. E o espelho é cada um de nós, uns para os outros. Não podemos nos enxergar sozinhos. Precisamos da alteridade, do diferente. Muitos que transmitem conhecimento também podem fazer ver em quais aspectos uma pessoa se transformou ao longo de um processo. Um trabalho incomparavelmente mais honrado que simplificar, para diminuir a exigência ao aluno.

Helainy Andrade é psicanalista em Varginha-MG e membro do Instituo da Psicanálise Lacaniana.