Papa pop? 30/10/2014

Por Alain Mouzat

Diferente do discurso religioso a psicanálise se reconhece na reconciliação do homem com sua própria Causa no impossível.

O discurso do Papa Francisco, no encerramento do Sínodo no último dia 18, apesar da cautela própria ao cargo, não deixou de causar impacto. Marcando a via estreita pela qual pretende conduzir a Igreja, ele, na verdade, atestando sua hombridade, talhou a facão, com doce firmeza, na selva em que se embrenhou: à direita, alertando a ala reacionária da Igreja, tradicionalistas, da tentação de se deixar trancar na letra, num “enrijecimento hostil”, “na certeza de que conhecemos” e se fechando “ao que devemos aprender e atingir”. Do seu lado esquerdo, o “angelismo destruidor” que, em nome de uma misericórdia enganadora, trata os sintomas e não as causas, transforma os outros em “fardos insuportáveis” e, cedendo ao pedido do mundo, “desce da Cruz” e sacrifica ao mundo.

Meu deus! Ele até denunciou o “bizantinismo” daqueles que falam complicado para esconder o vazio de sua palavra…

Mais ainda: o papa se apresentou como sustento da Igreja una, e, grande político, reafirmou, para além dos debates que ele próprio introduziu, que a Igreja continua a se guiar na causa de Cristo.

A Igreja, por vezes, oferece papas de grande quilate político. Reafirmando a abertura ao novo, desprezando os medos e mantendo a orientação na Causa, o Papa acena para o que se espera de um líder do século XXI: diante de um mundo de intensas mudanças, apostar na surpresa, no risco da invenção do novo sem garantia, na simpatia ao invés da compaixão e no bem dizer contra a palavra vazia.

Por pouco a psicanálise poderia aí se reconhecer, não fosse o fato dela não esperar uma união futura em Deus, mas se reconhece na reconciliação do homem com sua própria Causa no impossível.

Alain Mouzat é professor da Universidade de São Paulo, doutor em linguística, e psicanalista membro do Instituto da Psicanálise Lacaniana