Por Claudia Riolfi
A oratória firme da presidente Dilma Rousseff condenando as ações de espionagem dos EUA é centro de uma reflexão
Na última terça-feira, 24 de setembro, a presidente Dilma Rousseff fez, na abertura da 68ª Assembleia-Geral das Nações Unidas, um discurso que nos deixou sem palavras. Buscando comentá-lo, nada nos ocorreu além de um insuficiente “muito bom”. Que frustrante! Vamos aos fatos.
Dilma falou logo após o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, e o presidente da Assembleia-Geral, John Ashe (diplomata de Antigua e Barbuda). Seu tópico majoritário foi a espionagem operada pelo governo dos Estados Unidos, tendo entre os alvos o Brasil. A líder brasileira não dourou a pílula. Não só demonstrou seu repúdio com palavras fortes (“afronta”, “inadmissível”, “ingerência” e “quebra do direito internacional”), como ainda “exigiu explicações, desculpas e garantias de que tais procedimentos não se repetirão”.
Fosse ela um cavalheiro, teríamos muitas expressões prêt-à-porter para adjetivar sua oratória: “tem culhões”, “tem aquilo roxo”, “honra as próprias calças”. Porém o que dizer ao se tratar de uma dama? Valha-nos Jacques Lacan! Inspirando-nos em sua obra, diremos que Dilma exemplificou o que é servir-se do real para unir a palavra ao corpo. Por amor à clareza, retomemos, em itens, sua argumentação:
- Nada apreende a riqueza da experiência corporal humana;
- Na linguagem articulada, o corpo fica de fora;
- Uma pessoa não consegue tomar posse de suas experiências corporais apenas falando delas;
- Se alguém não encontra um ponto de amarração entre corpo e linguagem, fica desorientado, não tem um ponto de ancoragem desde onde organizar-se como locutor;
- O real é o registro que, por ressoar diretamente no corpo do interlocutor quando ele escuta ou lê algo que lhe toca, pode fazer acordo entre corpo e linguagem; e
- Não é por não ter sentido que o real lacaniano não tenha direção, ao contrário. Ele amarra um corpo à linguagem.
Independente de nossas posições políticas ou partidárias, foi muito bom testemunhar esta locução. Brasil e brasileiros merecem caminhar, a passos largos, para longe de seu passado de quem se vê como uma espécie de passageiro de segunda classe no trem da vida.
Por estas e por outras, estamos convencidos da necessidade de aliança entre os amantes da clínica do real e os estudiosos da Língua Portuguesa e de seu ensino. Já passou da hora de educar nossas novas gerações para que, ao usarem a palavra, o façam com honra.
Claudia Riolfi é psicanalista, cursou pós-doutorado em Linguística na Université Paris 8 Vincennes-Saint-Denis. Professora na Faculdade de Educação na Universidade de São Paulo. Diretora Geral do IPLA