Pai é quem cria … ou não 29/09/2016

Por Patricia Gorisch

O reconhecimento da multiparentalidade pelo Supremo Tribunal Federal fará a maior revolução no direito de família dos últimos tempos

Desde a semana passada, meninos e meninas podem ter dois pais. O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, num processo que teve repercussão geral, a paternidade sócio-afetiva ao lado da paternidade biológica. Isto quer dizer que um filho, mesmo não sendo de uma relação homoafetiva, pode ter dois pais ou duas mães.  

Há anos, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) defende a bandeira de que família é afeto. Laços afetivos, e não somente biológicos ou documentais, formam a família. Seres humanos, somos muito mais que meros emaranhados de cadeias ribonucleicas. No que tange à família, somos muito mais coração que cabeça, muito mais “Eros” que “necessidade”, como diria Sigmund Freud.

O reconhecimento do afeto como instituto jurídico foi solidificado no julgamento do STF da semana passada. Nos atuais arranjos familiares, compostos por pessoas que se casam, se divorciam, se casam de novo e nos quais filhos do primeiro casamento estão convivendo juntos com filhos do atual casamento, o afeto é que conta. O padrasto acaba se tornando um segundo pai, assim como a madrasta uma segunda mãe. Nessa rede familiar, não há hierarquia, nem “quem manda mais” na família. O pai biológico e pai socioafetivo podem desenvolver o mesmo afeto pelo filho.  Reconhecendo esse fato, o STF fez uma nova leitura do art. 1593 do Código Civil (” O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”) e expõe agora claramente a parentalidade biológica e a socioafetiva. Se o filho tem um pai biológico e outro com o qual convive, ele tem, a partir da decisão do STF, dois pais. Falando em termos jurídicos, havendo de forma concomitante o reconhecimento da parentalidade socioafetiva e a biológica, há dupla paternidade ou multiparentalidade. 

O reconhecimento da multiparentalidade fará a maior revolução no direito de família dos últimos tempos, já que implicará direitos para o filho. Será herdeiro, receberá pensão alimentícia.

Mas há também problemas. Em casos como o da reprodução assistida heteróloga, por exemplo, surge a questão se quem doou o material genético será considerado como pai biológico. Há jurisprudências que consideram a quebra do sigilo do doador para casos de conhecimento de herança genética em doenças rara. No entanto, nunca aventou-se a hipótese do reconhecimento da parentalidade biológica do doador de espermas nesses casos.  Por outro lado, haverá processos que envolverão questões patrimoniais de pais e filhos que se sentirão financeiramente prejudicados.  Nesses casos, a justiça não irá inovar. Recorrerá aos princípios tradicionais e basilares como o da boa-fé. 

Patricia Gorisch é diretora nacional do IBDFAM. Presidente da Comissão Nacional de Direito Homoafetivo do IBDFAM. Membro da Comissão de Diversidade Sexual da OAB/RJ. Pesquisadora em Direitos Humanos LGBTI. 

Publicado em O Mundo visto pela Psicanálise, ed. 168 – 30 de setembro de 2016

Deixe um comentário