Por Ana Carolina Barros Silva
Tornar-se pai ou mãe de uma criança é um processo psíquico complexo, não necessariamente concomitante à gestação e ao parto e comumente repleto de afetos conflitantes
No dia 30 de novembro de 2014, Paula Félix escreveu para o jornal “Estadão” uma reportagem intitulada: “Nova lei fará casal divorciado manter papel de pai e mãe” versando a respeito da lei 117/2013, que dá primazia à guarda compartilhada dos filhos após a separação do casal parental, cujo objetivo é não excluir nenhuma das partes do processo de educação da criança.
A lei foi motivada pelo fato de que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), hoje, apenas 6,82% dos filhos cujos pais são divorciados continuaram sendo cuidados por pai e mãe depois da separação. Se aprovada, a lei em questão permitiria ao juiz propor a guarda compartilhada em todos os casos, tornando-se a primeira opção para a decisão judicial nos casos de guarda.
O meu intento, aqui, não é discutir o quanto a lei pode ser benéfica (ou não) para os filhos de casais que estão passando por um processo de divórcio. Interessam-me, mais especificamente, determinadas “crenças sociais” que estariam na base de proposições de leis como essa. Em especial, interessa interrogar em que medida uma imposição estatal poderia manter, como diz o título da reportagem, o pai em seu papel de pai e a mãe em seu papel de mãe.
Para a psicanálise, ser “pai” ou ser “mãe” não é algo que está dado biologicamente, de forma inata. Não há nada de natural no fato de um ser humano poder ocupar o papel de pai ou de mãe. Tornar-se pai ou mãe de uma criança é um processo psíquico complexo, não necessariamente concomitante à gestação e ao parto e comumente repleto de afetos conflitantes. Trata-se de papéis construídos subjetiva, social e culturalmente, de maneira que não podem ser deliberadamente outorgados por uma regulamentação governamental.
Com isso, quero dizer que uma decisão a respeito da guarda dos filhos após o divórcio envolve muito mais questões afetivas e psicológicas do que propriamente aspectos legais. Nesse sentido, a meu ver, seria mais interessante a discussão acerca de como seria possível articular conversas entre o casal e os filhos (quando em idade apropriada) para que as escolhas sejam feitas a partir da vertente desejante e não apenas sob a égide da legislação.
Ao tratarmos do ser humano, e das suas diversas formas de subjetivação, há que se tomar cuidado com imposições que regulamentam um “padrão” de “ações mais corretas”. A guarda compartilhada pode ser uma boa solução para várias famílias, mas há uma distância considerável entre essa constatação e a pressuposição de que a guarda compartilhada deva se tornar obrigatoriamente a primeira decisão do juiz. A decisão deve ser assegurada às famílias e, por isso mesmo, olhada, na medida do possível, desde a singularidade de cada caso. Isso implica, é claro, uma visão ampliada do que significa o sistema judiciário de um país e, consequentemente, das influências que uma decisão desta magnitude pode ter sobre a vida de todos os envolvidos.
Ana Carolina Barros Silva é psicóloga, cursa especialização em psicanálise com crianças e mestrado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.