Por Claudia Riolfi
A responsabilidade das revistas semanais é grande. Quando a mídia ouve um lado só, não faz bom jornalismo, e acaba anunciando a descoberta da roda – o determinismo inconsciente – se equivocando seriamente sobre Freud. Que época!
É de chorar. Hoje, quando, cada vez mais, os professores recorrem aos textos midiáticos como fonte de informação em suas aulas, esperando que, lá, encontrarão material fidedigno para auxiliar seus alunos a aumentar aquilo que, vulgarmente, nós chamamos de “cultura geral”, estes veículos se mostram pouco confiáveis e cometem erros de leitura injustificáveis.
A Revista Época, da Editora Globo errou feio. Na edição de 4 de março de 2013, em uma resenha a respeito do livro Subliminar (Zahar), afastou-se drasticamente da missão que declara em seu site: Fazer um jornalismo que capte o espírito do nosso tempo e ajude a construir o amanhã, converta informação em conhecimento, transforme a confusão em clareza. Pegou a clareza cristalina de Freud e a transformou em uma confusão, converteu conhecimento em ignorância. Que chato.
Comentemos os principais aspectos deste equívoco a partir da frase destacada em linhas grandes no início da matéria: O inconsciente controla você. Ele não é reprimido como Freud dizia – mas comanda as grandes decisões, define sua visão de mundo e guia sua vida. Os erros: 1) Freud não dizia que o inconsciente é o reprimido; 2) Em Freud, a repressão é um processo de mão-dupla. Tudo o que foi, volta; 3) É na medida em que algo foi reprimido, explica Freud, que ele comanda as grandes decisões, define sua visão de mundo e guia sua vida!
Mama mia, Felipe Pontes, o articulista, concorda com Freud em tudo! O pequeno problema é que ele escreveu a respeito do que não entendeu e, ao fazê-lo, criou um efeito exótico. Fico aqui pensando com meus botões: para não reproduzir esta falha, como a Newsletter no IPLA poderia colaborar para a compreensão do papel do recalcamento no inconsciente freudiano?
Partamos de um exemplo. Maurício me irrita a tal ponto que quero matá-lo. Como cometer assassinato está fora de cogitação nos meus padrões morais, prefiro não tomar conhecimento dessa vontade. Entretanto, como as representações tornadas inconscientes pelo efeito do recalcamento não são destruídas, elas vão buscar burlar as censuras, comparecendo, por exemplo, em um sonho com o ator Maurício Mattar. Sonhar com “Maurício Mattar” é um modo não socialmente condenável de “matar Maurício”. Como e por que isto ocorre?
Freud explica: um sonho é uma produção do inconsciente que serve para satisfazer um desejo que, em algum lugar de nós, foi julgado inadequado. Ele apareceu na medida em que o desejo que lhe deu origem foi recalcado. Para ele, o recalcamento (Verdrängung) é uma condição para a formação das produções do inconsciente (lapsos, chistes, sonhos etc.), por meio das quais nos satisfazemos quando a satisfação direta seria inconveniente. Nesta linha de raciocínio, ele está a favor da satisfação pulsional, e não contra ela. Ocorre quando algo em nós decide que determinada satisfação não nos convém e deve ser vivida de maneira disfarçada.
Resumindo: Embora, baseada no livro de Leonard Mlodinow, a revista Época esteja contradizendo a psicanálise e afirmando que a determinação inconsciente é uma novidade, a única “novidade” que se encontra na matéria é que, agora, até os veículos que, outrora foram mais cuidadosos, hoje erram com maior desenvoltura.