Por Claudia Riolfi
Como ler o comportamento da geração Y? Haveria algum modo de gozo que, naquilo que seria sua essência, pode ser mantido desconectado do contexto?
A chamada geração Y (jovens nascidos entre as décadas de 80 e 90) vem, há algum tempo, protagonizando o ideal de seus pais. Os genitores tiveram que recalcar parte da plasticidade de suas pulsões para permanecer em trabalhos que lhe garantiam a sobrevivência. Quando sentiam a pressão pulsional para jogar tudo para o alto e ir mergulhar em Fernando de Noronha, faziam as contas e sonhavam com as férias. Escolhiam a via do recalcamento. Satisfações mais imediatas foram destinadas aos seus filhos, instalados comodamente no lugar de eu ideal. Isso tudo lembra um ditado francês que fazia os olhos da psicanalista francesa Françoise Dolto brilharem: “Os pais comeram as uvas verdes e os filhos nasceram com os dentes manchados”.
Como ler o comportamento da geração Y? Pelo sucesso na inversão da demanda. Os rebentos fundaram um estilo de vida no qual o retorno ao recalcado dá o tom: passaram a colocar os anseios pessoais em primeiro lugar. Marrentos, conseguiram fazer o impensável no mundo empresarial: obrigaram seus empregadores a se adaptar a eles. Ao invés de tentarem corresponder às expectativas de seus empregadores, conseguiram fazer com que os gestores se desdobrassem (com sucesso mais ou menos relativo) para encontrar modos de fixar o gozo de seus talentos.
Em outras palavras, a geração Y tem sido bastante bem-sucedida em fazer com que seus empregadores continuem agindo como seus pais: recalcando suas pulsões e deixando o gozo mais direto por conta dos empregados.
Não se tem ouvido muita reclamação, ao contrário. Quando alguém critica esses jovens, o faz de lugar de quase-fã. O efeito social da imposição de seu modo de gozo ao mercado de trabalho foi o fato dessa geração ter ganho uma admiração quase pasmada de quem não ousa tanto. Varados de inveja inconsciente, os mais velhos bateram palminhas a cada vez que o talentoso rapaz virava às costas para as necessidades do grupo empresarial no qual se inseriu e flanavam em busca de melhores ventos.
Esse modo de vida está em risco. A crise atual fez com que, pela primeira vez, esses rapazes estejam enfrentando desemprego. Em uma matéria bastante ilustrativa, Marta Cavallini, do G1, em São Paulo, mostra exemplos de pessoas que, por não terem avaliado as novas contingências, se deram mal. Ela entrevistou profissionais que, desatentos, mantiveram o seu mesmo modo de gozo e não obtiveram o mesmo resultado que vinham anteriormente obtendo. Esses jovens, que cresceram em um período de prosperidade econômica, estão tendo dificuldades em criar novas respostas a tempos mais restritivos.
É justamente sua dificuldade o que levanta uma interrogação: haveria algum modo de gozo que, naquilo que seria sua essência, pode ser mantido desconectado do contexto? Ou mais valeria às novas gerações serem informadas do fato de que, por mais contentes que estejam com sua vida atual, só é possível obter uma fixidez de sua fórmula de satisfação na morte?
Parece-nos que, embora mais trabalhosa, a segunda formulação tende a gerar menos sofrimento psíquico. Em curto prazo, é muito fácil manter a beatitude da fórmula fixa de satisfação. Estamos vivendo em um tempo em que existe muita tolerância social para quem se quer exceção. Assim, se alguém reclama de nosso modo preferencial de gozo, sempre podemos fazer ouvidos moucos e acusar o interlocutor de moralista. Ele se recolhe, constrangido, e continuamos fazendo um pouco mais do mesmo. O problema é que os cães ladram, mas a caravana passa. Sem flexibilidade, fica difícil pegar o bonde andando.
Estar atento ao contexto e aos seus novos desafios dá trabalho. Existe um esforço constante para travar um embate com as formas cristalizadas de satisfação da pulsão. Demanda criatividade incessante para gerar novos modos de gozar que se façam viáveis nas novas contingências. Isso tudo é infernalmente cansativo. Por outro lado, a crise que assola a geração Y pode ser um convite para todos nós.
Favorecer um contexto no qual os filhos gozam pela geração precedente é uma fórmula fixa que coloca não só a eles como a nós mesmos em risco. Talvez, mais valesse engolir tranquilamente o impropério de querer ser um homem moral e apontar a necessidade de flexibilidade aos jovens. Isso poderia ajudá-los a entender que a responsabilidade pelo desejo é de cada um. Aqui, não cabe procuração nem desvio. Sustentar o desejo pede trabalho, obriga mudança. Exige um confronto com a dureza do Real que independe das causas aparentes de todas as crises.
Claudia Riolfi é Psicanalista e Professora Livre-docente da Universidade de São Paulo.