Por Dorothee Rüdiger
Os que viveram os anos rebeldes e os que só ouviram deles falar estão lotando, atualmente, as salas de cinema paulistanas para se deliciarem com a história de Monsieur et Madame Adelman, um casal que viveu “uma história de amor do começo ao fim”
O filme narra, pelo relato de Sarah, a viúva de Victor Adelman, os encontros e desencontros de um casal que se apaixona em Paris na efervescência dos anos que seguem ao movimento estudantil de 1968 (evento, que, diga-se de passagem, vai comemorar 50 anos em 2018). Os dois conheceram-se em meio à curtição do sex, drugs ‘n rock ‘n roll e chegaram à idade, que o senso comum de quem quer dourar a pílula do envelhecimento chama de “a melhor idade”, mas que outros, como os Adelman, que viveram a revolução do amor, prefeririam concordar com a atriz Betty Faria, para quem a “melhor idade é o cacete”.
Fiel ao estilo da geração revolucionária dos costumes, o filme sobre a vida amorosa do casal é tudo menos que uma nostálgica retrospectiva. Antes de tudo é uma jocosa história sobre o que Jacques Lacan chamaria de “não relação sexual”. O relato de Sarah, a viúva, inclui toda uma série de esquisitices amorosas para dar conta do constante mal entendido entre os dois .
A princípio, o filme promete ser uma visão feminina sobre a biografia de um famoso escritor, mas, surpreende com versões e mais versões sobre fatos dos quais não se sabe se são mesmo fatos ou ficções. A “verdade mentirosa” corre solta e dá toda graça ao filme, transforma tragédias em comédias, dá leveza ao pesaroso, porque ninguém consegue se levar a sério. Os Adelman são mestres nos jogos de palavras, deixam-se surpreender e inventam uma história de amor singular que dispensa e expõe ao ridículo as tradições.
Comédias à parte são as sessões de psicanálise que aparecem no filme. Tais cenas revelam o que os psicanalistas experimentam ouvindo seus pacientes no divã: que o amor é esdrúxulo e não respeita nem lógica e nem senso comum. Simplesmente acontece ao gosto de cada um. No caso do Senhor e da Senhora Adelman, o amor é irreversível, justamente porque foge do ditado pelo senso comum, surpreende, se reinventa a todo instante. Prefere a turbulência da cidade à paz bucólica. Sua poesia vive em meio às brigas, aos excessos, aos bate-bocas, e dispensa a qualidade de vida denunciada como insuportável. O amor inventado pelos Adelman prefere a convivência com a imperfeição do outro ao tédio duma pacata relação num ambiente estéril.
Chegando, assim, às turras até a velhice e a morte, essa história de amor é capaz de tocar o público jovem e não tão jovem. Faz rir e refletir sobre esse estilo de vida arriscado, inseguro, mas autêntico que Jorge Forbes chama de “o novo amor” e que já está chegando a mostrar seus cabelos brancos.
Dorothee Rüdiger é psicanalista e doutora em Direito pela Universidade de São Paulo
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.