Por Claudia Riolfi
A feminilidade é “mascarada” por artifícios que a mulher utiliza para parecer feminina.
As queixas das histéricas representam, no corpo, o que elas não conseguiram dizer. Essa foi a conclusão de Freud, após uma vida dedicada ao trabalho de pesquisa para tratar o sofrimento feminino. Não satisfeito com ela, o pioneiro correlacionou essa dificuldade de falar com o que lhe parecia uma questão estrutural: o enigma da própria feminilidade, percebida como um continente negro. Tendo jogado a toalha, ele depositou nos poetas a esperança de saber mais a respeito da mulher.
Jacques Lacan aceitou o desafio de pegar o bastão. Ao construir a sua clínica, colocou-se a missão de analisar o “enigma do gozo feminino”, de algo que aponta para um mais além dela mesma e de todos os objetos que poderiam vir a satisfazer o seu desejo. Acabou afirmando que a feminilidade é “mascarada” por artifícios que a mulher utiliza para parecer feminina. Entretanto, não parou por aí, o que teria equivalido a manter a mulher no lugar de objeto do olhar do outro. Compreendeu que seu corpo (talvez até mais do que o masculino) goza, intensamente, da ação do significante.
Posta essa última formulação, trata-se, então, de entender o que uma análise lacaniana pode, na prática, fazer pelas mulheres que não limitam sua existência na tentativa de definir o feminino pela busca do olhar do parceiro como garantia de sua importância no desejo dele. Tendo essa missão em mente, resolvi realizar uma ação muito simples, porém, espero, muito instrutiva: anotar, ao longo de uma única tarde, frases pronunciadas por moças que, espontaneamente, se puseram a falar dos benefícios colhidos em sua análise.
Eu não lhes perguntei nada, mas caso tivesse feito, a pergunta teria sido: – Como você descreveria, para um estranho, o que a análise fez por você?
Arquiteta, 22 anos: – Parece que eu estou agregando superpoderes. Sinto-me como se eu tivesse subindo em um foguete, e, cada vez mais, podendo ver minha realidade com maior amplitude.
Tradutora, 32 anos – Desisti. Eu não dou conta de ser “Amélia, a mulher de verdade”. A “Amélia” era o bebê da minha mãe, não a esposa do meu marido.
Estudante de pós-graduação, 28 anos: – Eu estou tendo maior paciência com minha colega de quem todos estão falando mal. Eu também já fui bem doidona, então, sei como é estar no lugar dela.
Professora, 30 anos: – Deixei de acreditar que existe “uma realidade”. Estou me autorizando a ver as coisas sem ser de modo chapado, colado nas instruções que eu recebi quando eu era menina.
Arquiteta, 23 anos: – Eu acordo quando eu tento te contar algo e fica confuso. Com o tempo, uma coisa eu aprendi: se eu não entendo o que eu digo, quem está falando é uma voz alheia que não combina com a minha.
Médica, 40 anos: – Estou tão livre que nem eu acredito quando me lembro que, há alguns meses, me torturava de culpa ao me perceber feliz como minha mãe nunca foi.
Revisora, 29 anos: – Percebo quando eu falei, falei e não falei nada. Noto a necessidade de parar de calcular a vida a partir da regra e de me colocar na conta.
Médica, 37 anos: – Percebi que, ao agir como eu fazia, estava colocando uma argamassa entre mim e a vida, para não sentir aquele prazer. Agora, não preciso mais disso. O que é vivo parou de doer em mim.
Claudia Riolfi é Professora Livre-docente da Universidade de São Paulo. Cursou pós-doutorado em Linguística na Université Paris 8 Vincennes-Saint-Denis. Psicanalista, é Diretora Geral do IPLA.