Obesidade e Transtornos Alimentares 09/04/2015

Por Liége Lise / Elisa Padovan

Liége Lise entrevista a psiquiatra Elisa Padovan para O Mundo visto pela Psicanálise

O Mundo – O que caracteriza os Transtornos Alimentares? 

Elisa Padovan – Os transtornos alimentares (TA) caracterizam-se por variações de peso que vão desde a caquexia (perda de peso extrema) à obesidade mórbida. Até a década de 70, a anorexia nervosa era o único TA conhecido e mesmo assim, muito pouco falado. Somente nove anos depois a bulimia nervosa foi reconhecida como uma patologia isolada. A partir de então o olhar dos profissionais foi voltado a esse tema, sendo possível delimitar outros transtornos alimentares, tais como o transtorno de compulsão alimentar e a síndrome do comer noturno. Exceto a anorexia nervosa, todos os outros TA podem estar presentes na obesidade. Com mais espaço ao tema, também foi possível delimitar os fatores de risco predisponentes para o desenvolvimento dos distúrbios alimentares, dentre eles, as influências culturais tais como o culto à magreza e o engajamento em dietas ganharam destaque especial. 

OM – Quais aspectos subjetivos estão nos transtornos alimentares? 

EP – De acordo com as teorias psicodinâmicas, sintoma é a expressão fenomenológica dos processos mentais inconscientes. Os sintomas alimentares são considerados como expressão de mecanismos ligados à oralidade, situada nos primeiros estágios do desenvolvimento. Constituem nessa visão, formas concretas de expressar conflitos e ansiedades que não passaram por uma elaboração e que dentre outras formas, podem se manifestar através dos distúrbios alimentares. 

OM – Quais características se destacam nos pacientes com síndromes alimentares? 

EP – Estudos indicam que pessoas com transtorno da compulsão alimentar (TCA) têm maior probabilidade de responder através da alimentação a afetos e situações que causam tensões emocionais. Os pacientes citam algumas condições mais facilitadoras para o desencadeamento da compulsão alimentar, tais como: solidão, tédio, raiva, ansiedade e estresse. Importante ressaltar que não há um único padrão de funcionamento subjacente aos pacientes com transtornos alimentares. Mesmo que haja similaridades do ponto de vista etiológico, as compulsões alimentares ocorrem sobre as mais variadas situações e cada paciente relata de forma subjetiva como vivencia e lida com esse sintoma.  

OM – Quando presente a compulsão alimentar no TA, a mesma gera algum  sofrimento? 

EP – Sim, o sofrimento está, em grande parte, relacionado com a insatisfação e a dificuldade que a pessoa encontra para alcançar o peso e forma corporal idealizada. Em muitos dos casos, o paciente preenche a falta ou a perda de algo que é importante para ele, com o alimento. Um exemplo disso é quando relata que após uma discussão, morte de ente querido, separação, brigas, ou frustrações, apresenta piora dos episódios de compulsão alimentar. Muitos relatam sentir momentaneamente melhora da angústia relacionada à perda quando comem de maneira compulsiva. O que se transforma num ciclo repetitivo, pois, após o episódio de compulsão, sentem-se culpados pelo descontrole e novamente angustiam-se e um novo episódio compulsivo pode se iniciar. 

OM – Quando se faz necessário medicar? 

EP – O tratamento farmacológico pode ser considerado no paciente com transtorno alimentar. A escolha deve basear-se na história clínica, além de exame físico e mental do paciente. Dentre as medicações disponíveis, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina são bem estabelecidos no tratamento dos transtornos alimentares. Podem auxiliar na redução do número dos episódios compulsivos, bem como dos sintomas purgativos. Também podem ser indicados na presença de comorbidades como transtornos depressivos e/ou ansiosos. A medicação pode promover uma discreta melhora da impulsividade e do humor, mas vale destacar que os sintomas estão ligados a fatores subjetivos complexos. 

OM – E no caso da cirurgia bariátrica, como se faz essa avaliação? 

EP – Quando um paciente é candidato a realizar uma cirurgia bariátrica, ele deve ser avaliado pela equipe multidisciplinar e estar preparado para passar pelas mudanças que esta cirurgia implicará. No caso de obesos que apresentam transtornos alimentares associados à obesidade, quando não trabalhada a compulsão, muitas vezes vão retomar o peso perdido ao longo de alguns anos ou podem desenvolver outras doenças que ocorrem também pela via da impulsividade, tais como jogo patológico, dependência de álcool e drogas, compras compulsivas ou transtornos sexuais. Em todos os casos citados, a falha terapêutica pode ser evitada quando o paciente tem um acompanhamento psicológico. Isso, porque, através desse acompanhamento será privilegiada a maneira como o paciente lida com seus afetos e os associa com sua compulsão. É de extrema importância que o paciente seja abordado por uma equipe multidisciplinar, de maneira que o acompanhamento nutricional e psicológico seja estabelecido. Quando isso não é feito, há a possibilidade que a compulsão desloque para outras áreas e apenas troque de sintoma. 

OM – Em sua opinião qual terapêutica pode apresentar uma eficácia nos Transtornos Alimentares? 

EP – A imposição de dietas restritivas e controles de comportamento ocorrem com muito esforço por parte do paciente. São condutas que não se mostram efetivas e nem sustentadas por muito tempo, tornando o transtorno de difícil manejo. É importante a pessoa se escutar na relação que estabelece com o alimento, ao que esse sintoma  está vindo responder e à forma como a ansiedade e angústia estão aí presentes. É um convite para uma relação mais prazerosa e responsável com o seu próprio corpo e um caminho para uma mudança de postura. 

Elisa Padovan Camillo é psiquiatra formada pelo Hospital do Servidor Público Estadual e membro da equipe do Instituto da Psicanálise Lacaniana – IPLA.