O vírus do amor ao livro 28/03/2013

Por Elza Macedo

A quase mítica biblioteca de José Mindlin reabre ao público em novo espaço, na Universidade de São Paulo, com uma exposição de longa duração e acesso ao rico acervo de 32 mil livros reunidos ao longo da vida do bibliófilo

Um tesouro foi disponibilizado ao povo: a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, inaugurada no campus da Universidade de São Paulo, em 23 de março de 2013. As portas se abrem oferecendo a exposição “Não faço nada sem alegria”, mote tirado da obra “Des Livres”, de Montaigne, com obras raras e painéis historiando não só a vida de Mindlin, mas fatos do Brasil. Imperdível. Os 32 mil livros que Mindlin reuniu durante mais de oitenta anos ganharam um espaço maravilhoso na Universidade de São Paulo, deixando a universidade muito mais  bonita.

O prédio projetado para abrigar a biblioteca foi construído em concreto claro, pelos arquitetos Eduardo de Almeida e pelo neto do bibliófilo, Rodrigo Mindlin Loeb. Um aspecto importante no projeto  arquitetônico, Almeida menciona, é que o prédio fosse também uma passagem. Pode ser atravessado. Assim, fazendo dali, não só  um local de fixação de saber, mas de circulação de saberes, de experiências, de pessoas. Encontros. Mindlin pensou em todos os critérios para proteger o acervo, tais como climatização, umidade do ar, ventilação, controle da luminosidade, prevenção contra incêndios e muitos outros. Daqui a cem anos este patrimônio será incorporado pela USP. O que permite nos orientarmos é o desejo, diz Jorge Forbes. Algo que nos desacomoda e que conduz a uma resposta responsável e criativa.

 A Biblioteca já existia desde 1985 na residência dos Mindlin e contava com os cuidados da bibliotecária Cristina Antunes, agora curadora da Brasiliana na USP.

 Já foi iniciado o processo de digitalização das obras, assim ficando protegidas do desgaste do manuseio e do efeito nefasto do xerox para o papel. Mais ainda, disponibilizando-as para todos em qualquer parte do mundo.

 A paixão pelos livros levava o casal Guita e José Mindlin mundo afora, tanto desvendando os segredos do livro, adquirindo primeiras edições de obras importantes, incluindo obras do início da imprensa, por volta de 1450, manuscritos e tantas outras, quanto aprendendo mais sobre como tratar os livros. Guita cuidava da preciosidade que o marido colecionava e, para isso,  dedicou-se à área de conservação de livros, sendo reconhecida internacionalmente. No discurso que fez na inauguração, Antonio Cândido considerou que Mindlin não era apenas um colecionador, mas um autor, na medida que tinha uma relação criativa com a Biblioteca, como se esta fosse um livro, algo de autoria. E Guita, coautora.

O bibliófilo lia e comprava livros diariamente. O excesso de Mindlin expressava-se na sua relação com os livros. Sua alegria e entusiasmo que correspondiam a garimpar, obter e ler; agora transformaram-se em compartilhar em sua maior escala. E neles continua, já que ele cuidou para que a biblioteca fosse um ambiente de convívio, de beleza, de duração e de renovação. A Professora Walnice Nogueira Galvão, em artigo Uma rara coleção, feita com alegria , publicado no Estado de S. Paulo, afirma que “em sua pessoa, o amor dos livros e da cultura era entranhado, fazia parte da sua personalidade, do seu dia a dia.” José Mindlin amava livros. Guita também.

No ex-libris de sua Biblioteca constava a citação de Montaigne, Des livres: Ie ne fay rien sans gaieté. Este lema, “não faço nada sem alegria”, expressa o entusiasmo e o amor de Mindlin para com a leitura, com os livros, com as pessoas e com a vida.

É notável o cuidado em termos da disseminação do saber, tanto na biblioteca material, como na digitalizada. Mindlin quis contaminar a todos: “O vírus do amor ao livro é incurável, e eu procuro inocular esse vírus no maior número possível de pessoas.” Citando Luc Ferry, em “A revolução do amor”: “… o amor é este absoluto no âmbito do relativo, esta transcendência na imanência, que nos oferece, aqui e agora, um acesso privilegiado ao sentido do sentido”. Forbes considera que o novo amor da pós-modernidade representa um novo tipo de humanismo, uma transcendência laica. Mindlin nos contagia com sua alegria e amor, agora para sempre através de seu legado: a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin.