Por Dorothee Rüdiger
Na Bahia, solicitação de exames ginecológicos e atestado de virgindade em edital de concurso público causa indignação. O Estado busca provas de que o corpo feminino tem uma “logica”, solicitando exames que nada comprovam sobre o que é ser uma mulher
No Estado da Bahia, um concurso público está dando o que falar. Não bastasse o edital exigir das mulheres que, porventura, se habilitarem a ocupar um cargo na Polícia Civil apresentarem exames ginecológicos de colposcopia, citologia e microflora. Ainda inventa um novo tipo de documento a ser incorporado ao processo administrativo: o atestado de virgindade.
O dito edital dispensa as candidatas virgens – “aquelas que possuírem o hímen intacto” – da obrigação de apresentar os atestados de saúde ginecológica acima mencionados. Mas quem diz que a simples declaração “sou virgem” vai convencer os agentes do Estado? Ah, não! Comprove-se a virgindade mediante atestado médico com nome, endereço, assinatura, carimbo e CRM de quem atesta que o hímen está inteiro.
Tamanha intrusão na intimidade das baianas causou o repúdio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Segundo o jornal A Tarde, em sua edição do dia 14 de março, a OAB espera que seu protesto veemente chegue aos ouvidos do Ministério Público, que deverá tomar uma providência. Além disso, a própria OAB estuda a possibilidade de processar o poder executivo da Bahia. Este, a seu turno, defende-se dizendo que a exigência do comprovante é praxe em vários concursos.
O impasse pede a opinião de um psicanalista. Podemos arrolar ninguém menos que Sigmund Freud para dar seu depoimento sobre o assunto que ele chama O tabu da virgindade.
Freud escreve: “Onde o primitivo colocava o tabu, ele temia um perigo. E não podermos negar que todas essas regras de manter a mulher à distância revelem uma desconfiança profunda da mulher. Talvez essa desconfiança tenha sua razão pelo fato da mulher ser diferente do homem, ser eternamente incompreensível e misteriosa, estranha e, por isso, hostil.”
Se já não se confia nas mulheres, nas virgens, então… Para Sigmund Freud, o tabu da virgindade, a desconfiança com a qual se trata as “invictas” não tem tanto a ver com o rompimento do hímen. A questão da “periculosidade” das virgens é ligada à da “primeira vez”. Elas podem esperar demais desse primeiro encontro, decepcionar-se profundamente e ficar com raiva de quem as decepcionou. “O perigo que nasce (ao homem) em razão da defloração da mulher consistiria no fato de atrair para si a hostilidade dela. Justamente, o futuro marido teria toda razão de evitar que essa hostilidade recaia sobre ele”, diz Sigmund Freud.
O que dizer sobre a exigência de uma bateria de exames ao quais, é claro, os homens não se submetem? Talvez, a exigência desses exames ginecológicos seja uma tentativa de acreditar que a mulher tenha uma lógica: a lógica do corpo, do útero e dos demais órgãos reprodutores. Afinal, com os exames pretende-se saber algo sobre a mulher, algo que pode ser comprovado, preto no branco, com o carimbo da ciência.
No entanto, uma mulher é mais que seu corpo. Desafia o mundo com seu jeito de ser singular e sem padrões. Por isso, às futuras delegadas do Estado da Bahia e aos que lhe emprestam a voz, os advogados, resta não somente protestar e reivindicar o direito à não-discriminação e ao tratamento igual. Possuem uma bela oportunidade de expor ao ridículo a desconfiança do Estado que está querendo se cercar de comprovantes que, no fundo, não comprovam nada sobre o que é ser uma mulher!