Entrevista com Fernando Morais da Costa
Fernando Morais da Costa é referência no estudo do silêncio no cinema. Professor Doutor em Comunicação do Departamento de Cinema e Vídeo e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense-UFF, foi entrevistado por Lilian Bison, exclusivamente, para O Mundo – visto pela Psicanálise.
1- No cinema, qual o poder das palavras e qual o poder do silêncio? É comum que a maior parte do cinema comercial ao qual assistimos seja entendida como pertencente a um meio no qual a voz é central. Teóricos como o francês Michel Chion comentam o fato de o cinema ser vococêntrico, centrado na voz, ou, mais sutil do que isso, verbocêntrico, centrado na palavra falada. De fato, nós como espectadores estamos acostumados a prestar atenção nas vozes dos diálogos, ou na voz de um narrador, pois entendemos que seguir o conteúdo semântico dessas vozes é acompanhar a trama. Gosto de defender que, ao contrário do que se pode pensar, não há uma hierarquia tão dura entre os sons que compõem um filme: as vozes, as músicas, os ruídos, os silêncios. Incluo o silêncio entre os componentes sonoros de um filme numa tentativa de não pensar apenas nos três outros elementos descritos acima, e, mais do que isso, de não estabelecer uma divisão valorativa entre sons e silêncios. Acredito que o silêncio produz tanto sentido quanto quaisquer outros sons. Em várias outras áreas de pensamento, silêncios são entendidos como portadores de sentido, como constituintes do sentido, e mesmo como a base sobre o qual o sentido pode se dar. A indistinção entre silêncios e sons como constituintes do discurso cresce, pelo século XX afora, na linguística, nas ciências sociais, em uma série de ramos da filosofia, na música. Embora isso seja menos comentado na teoria cinematográfica, não há porque no cinema ser diferente. 2- Como é sustentar o silêncio numa narrativa cinematográfica? O que o silêncio pode expor se não for bem sustentado? Alguns profissionais do som para o cinema com os quais já conversei disseram algo parecido: quando há um momento de silêncio muito evidente na narrativa de um filme, há um trabalho com o som nas sequências anteriores que leva a ele, ao momento em que algo silencia de modo claro para o espectador. Hoje, momentos, dentro dos filmes em que os espectadores esperam um determinado evento sonoro, mas ao invés disso surge o silenciamento correspondente são cada vez mais comuns. Pausas nos sons dos filmes já foram entendidas, dentro da história e teoria cinematográficas, como potenciais momentos de estranhamento para o espectador. Era assim com o cinema moderno espalhado pelo mundo, do qual a Nouvelle Vague francesa e os Cinemas Novo e Marginal brasileiro são alguns exemplos, embora haja tantos outros. Poderíamos dar uma série de exemplos vindos do cinema contemporâneo nos quais os principais eventos de uma trama, por exemplo, o tiro que mata um personagem importante, uma fala central para o entendimento da história surge silenciada, e o espectador cada vez mais se acostuma com tais usos de silêncios como um artifício narrativo. Uma coisa a se entender para a construção de um momento de silêncio no decorrer de um filme é a relação de tal momento com os eventos sonoros à sua volta. Nesse sentido, a apreensão de um momento de silêncio é inteiramente relacional. Está ligada à audição dos sons anteriores e posteriores. Um dos chavões do cinema contemporâneo é exatamente exagerar a dinâmica entre sons muito intensos e uma súbita queda da intensidade sonora. Essa moldura de sons em alto volume torna evidente o silêncio, o contraste entre eles. Assim, pode-se dizer que um momento de silêncio expõe para os espectadores a própria construção sonora, a própria gravação, a edição de som, a mixagem.
3- O silêncio revela ou toca o que estava oculto no discurso?
Creio que o silêncio tem o potencial de fazer os espectadores entenderem que o sentido pode ser menos unívoco. Há no silêncio uma polissemia latente. Momentos de silêncios podem mostrar, nos filmes, que há muito mais possibilidades de apreensão do sentido do que pela matéria semântica. Desta forma, pausas podem fazer o papel de quaisquer outros sons, sejam eles vozes, músicas, ruídos. Acho que o silêncio revela de uma forma diversa o que palavras, notas musicais e demais sons podem vir a expressar de forma mais direta, embora nenhum desses elementos sonoros seja obrigatoriamente deflagrador de um sentido uno, determinado previamente, sem a participação dos espectadores, de quem ouve ou observa. Assim, uma atenção maior às pausas permitiria uma compreensão mais profunda do que está em jogo na comunicação.
Lilian Bison é graduanda em cinema e audiovisual pela UNIMEP.
Publicado em O Mundo visto pela Psicanálise, ed. 169 – 21 de outubro de 2016
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