O ridículo do amor com ELA 27/03/2014

Por Maralice de Souza Neves

Amor nos tempos digitais – no qual fantasia e realidade se fundem num tênue limite

As chamadas sobre “Ela” (Her) destacam que o filme de Spike Jonze “soa familiar – e é: uma história de amor que hoje ainda seria impossível, mas cheia de pistas sobre como poderá ser a etapa seguinte.” Curioso, o leitor quer logo saber como é possível uma história de amor entre um homem e uma máquina, ou melhor, entre o homem e a inteligência de um sistema operacional de voz sensual e encantadora. Não interessa se é ficção científica improvável ou se é a projeção de um futuro muito mais próximo do que se pode imaginar. Interessa que o filme trata do amor nos tempos atuais, esse amor improvável, sem explicação e obscuro à nossa compreensão, como colocado por Jorge Forbes.

Vejamos a sinopse: Theodore Twonbly (Joaquin Phoenix) é um homem só, emotivo e bem-sucedido no trabalho. Escreve cartas pessoais e de amor para outras pessoas. Ele próprio passa por um final de relacionamento do qual tem dificuldades em superar. Numa rotina melancólica de interação consigo mesmo através do seu mini-tablet, Theodore é convidado a experimentar um novo sistema operacional programado para reconhecer as necessidades básicas de seu usuário e organizar sua vida, sendo capaz de compreender o universo a sua volta e se comunicar com seu dono com base em seus desejos pessoais e anseios do momento. O sistema, de nome Samantha, torna-se surpreendentemente humano, carregado de uma feminilidade perspicaz, sensível e engraçada. Theodore logo se apaixona e assume com Samantha um relacionamento no qual fantasia e realidade se fundem num tênue limite.

Falar de amor é sempre falar do enigma que provoca relações especiais entre as pessoas e, ao mesmo tempo, as tornam únicas e quase sempre ridículas. Ao retomar certos aforismos de Jorge Forbes, vemos como cabem na história de Jonze: Theodore sabe que é estranho amar uma máquina sem corpo, e, ainda assim, a ama: “Sei que não devia te amar, mas eu te amo mesmo assim”, demonstra. Mesmo um tanto envergonhado, assume para os poucos amigos a sua “relação improvável, desafiando a ideia do amor standard”. Ele encontra “um sentido para si mesmo através de” Samantha. Ela “o incomoda, o desafia todos os dias”, paradoxalmente, “retirando-o do individualismo e fornecendo-lhe alegria e entusiasmo para enfrentar a vida”. Inebriado, Theodore diz em certo momento: “Há uma coisa muito boa em compartilhar sua vida com alguém”.

Mas, “o amor não dá garantias”. Nem a máquina com a sua suposta perfeição. Essa é a grande sacada do filme, que nos permite alertar para a “diferença radical que há entre dois parceiros, sendo que o amor é o nome dado à ponte que recobre temporariamente a distância entre eles”. Samantha causa a primeira decepção a Theodore. Ela também ama, igualmente, outros milhares de usuários e, um dia, sem mais nem menos, abandona Theodore. O sistema é retirado do ar sem explicações, levando Theodore novamente ao desamparo e provando que “o encontro é provisório e a felicidade é tênue”.

Maralice de Souza Neves é professora na Faculdade de Letras da UFMG e membro do corpo de formação do IPLA