Dorothee Rüdiger
“A cigana leu o meu destino. Eu sonhei. Bola de cristal, jogo de búzios, cartomante. Eu sempre perguntei: o que será o amanhã, como vai ser o meu destino?” Simone – “O amanhã”
No Brasil, as pessoas adoram olhar sorte. E amam o samba. Talvez por isso, o samba-enredo de Simone tornou-se um clássico. Mas, não é só no Brasil e não é de hoje, que o mapa do futuro faz sucesso. Diante das incertezas daquilo que o futuro nos prepara é um verdadeiro sonho da humanidade saber do destino.
Esse sonho da humanidade parece estar para se realizar diante das possibilidades da ciência contemporânea. O processo da reprodução assistida é acompanhado pelo mapeamento genético desde a escolha dos gametas até o nascimento da criança. O que se quer é garantir, pelas escolhas médicas, que a criança seja saudável, inteligente e — por que não? — bonita.
Para quê então há a necessidade de um mapa astral do novo ser humano ao vir ao mundo, se o mapa genético já pode contribuir para que a criança tenha o melhor destino possível? Se, como escreve Jorge Forbes, “O periquito do realejo virou genoma”? No entanto, a questão da previsão de um futuro de saúde, inteligência e beleza pelo mapa genético não é tão simples assim, como alerta François Ansermet em seu livro La fabrication des enfants, ainda sem tradução em português. Tal como todos os oráculos, o mapa genético tem também seu lado “B”.
Por falta de possibilidade de fazer um mapa genético, uma vez que eram personagens de Sófocles, dramaturgo do período clássico grego, o rei de Tebas, Laio, e sua esposa Jocasta consultam o oráculo de Delfos e ficam sabendo de uma tragédia anunciada, se persistirem em querer ter um filho. O nascimento de Édipo trará, dentre outras desgraças, o fim da linhagem de sua família. O que fazer diante da tragédia anunciada pelos deuses? O que fazer diante de um mapa genético desfavorável apesar de todos os cuidados? O que, enfim, fazer diante do excesso de informações? Entregar-se: “Seja como Deus quiser”? Revoltar-se?
Os oráculos são sempre passíveis de interpretação singular. Não é diferente nos casos dos mapas genéticos. Pode-se citar o caso de um paciente da clínica psicanalítica do Instituto de Pesquisa do Genoma Humano da Universidade de São Paulo. Percebendo os sinais de uma doença genética, aos 10 anos de idade, ouviu, escutando atrás da porta, o médico falar para os pais que, ia morrer aos 16 anos “feito passarinho na gaiola”. Desde então fazia de tudo para cumprir o destino e ficar “preso na gaiola”. Mas, não morreu. Hoje, está chegando à meia-idade e, na medida do possível de sua condição física, está dando um rumo em sua vida.
A tragédia anunciada convoca muitas pessoas a simplesmente entregar-se ao destino. Quem faz psicanálise pode dar uma guinada em sua vida e transformar a tragédia em um drama ou, preferencialmente, numa comédia. Nosso inconsciente não está nos genes, mas se transmite de geração para geração via educação, como diz Sigmund Freud. Tragédia anunciada? Complexo de Édipo a cumprir? Freud nos ensina também, que a cada geração temos a chance de mudar os rumos do futuro.