O que é que se perde no encontro virtual? O que se ganha? 08/10/2020

Elza Macedo

A psicanálise lida com a descoberta, com o novo, não com o padrão. O encontro virtual trouxe mudança no setting analítico e são os analisandos que, em grande parte, fazem o setting… no carro, no jardim e até no banheiro.

No encontro virtual se perde – nos casos em que o analista retira a imagem, nem todos o fazem – tal como no presencial, o olhar como objeto de desejo pulsional e a satisfação imaginária. Lacan, no Seminário 11, recomenda que, nas sessões, não se estabeleça reciprocidade do olhar e do olhado. Mas sim, cortá-la, posto que é enganosa.

O tirar a imagem é uma boa solução para o divã. Freud instaurou o divã, não para a pessoa se deitar em berço esplêndido, mas para evitar o olhar. É evidente que em uma análise online evita-se o olhar tirando a imagem. Aí está o divã. Mantém-se a ausência escópica, a falta, do lado do analisando e assim está aberto o caminho para se presentificar o real. É um dos ganhos.

A presença do analista se mantém em ambas as formas de atendimento, pois o analisando se dá conta que é de outro registro – inconsciente – que se trata e sente seus efeitos. A presença do analista, diz Lacan no Seminário 11, é ela própria uma manifestação do inconsciente. “Um psicanalista não se ausenta. Para o analisando, ele assume o lugar do imprevisto, que Lacan chamou de real.” (Forbes, 2012, p. 54) A presença do analista é sustentada no atendimento online com a mesma responsabilidade ética do presencial. Os princípios da psicanálise se mantêm, seja quanto ao corte, surpresa, enigma, não responder à demanda, etc. Se algo se perde, é que tem que se perder (satisfação escópica – tanto no divã como online). O encontro, como diz Lacan, é sempre faltoso.

Mais um ganho do online é que a pessoa pode escolher seu analista e fazer as sessões a partir de qualquer canto do mundo. Diminuíram os pedidos de mudança de horário, pois onde houver internet… não há desculpa.

Há meio século que as pessoas vivem em um mundo conectado. Assim, o atendimento online não causa tanto estranhamento.

Descolemos das regras, do padrão e com isso possamos extrair o que seja fundamental, insubstituível numa análise. Talvez seja tão difícil como dizer porque te amo.

Gosto do conceito de Schumpeter ‘destruição criativa’. Onde algo foi destruído, ali há espaço para a invenção. O Corona Vírus destruiu muito. Em contrapartida, o resultado está sendo a criação de novas formas de satisfação; o Samparioca em forma facilitada, sem viagens e hotéis. A Psicanálise não teve que baixar suas portas. Cabe às pessoas, considerando a “destruição criativa”, reinventarem, como Jorge Forbes tem feito em termos de TerraDois.

Perde-se a satisfação escópica e a presença física do analista. Mas se trata de perda? Quem sabe, algum dia, se vá verificar que até se ganha. Temos o exemplo de Freud, que fazia pressão na testa dos analisandos e depois verificou que este recurso não era conveniente numa análise. A psicanálise é flexível.

A expansão do atendimento online veio para ficar. Negar-se ao atendimento online seria pura e simplesmente obscurantismo.

Trabalho apresentado no XI Simpósio do ISEPOL e III SAMPARIOCA IPLA/ISEPOL, em 3 de outubro 2020