O que é que a paulista tem? 25/09/2012

Por Claudia Riolfi

Decretando a independência da psicanálise brasileira às margens do mar Báltico, pesquisadora de SP leva a Clínica do Real para as Jornadas Pedagógicas de Português de Estocolmo

Passeando de barco pelo Arquipélago de Estocolmo ou visitando o Museu Nórdico, uma pergunta me perseguia: por que os suecos se dispuseram a pagar minha passagem e estadia para que eu partilhasse com eles as coisas que venho pensando no Brasil?

A resposta chegou durante a abertura das Jornadas Pedagógicas de Português de Estocolmo 2012, iniciativa da Universidade de Estocolmo. Esta paulista que subscreve, segundo os organizadores, tem a chave para pensar uma educação com uma política linguística à altura das grandes oportunidades trazidas pela globalização. Para eles, a Clínica do Real praticada em São Paulo pode se tornar operacional mesmo para quem não fala lacanês – e nem sueco.

Estão corretos. Os desdobramentos do trabalho de Lacan podem ajudar a pensar os parâmetros para construir uma sociedade mais orientada e, portanto, mais livre. Podem proporcionar instrumentos para a passagem de uma sociedade monolíngue para uma sociedade multilíngue, na qual os casamentos multiétnicos parecem ser a regra, não exceção. Podem fortalecer uma política linguística segundo a qual as crianças têm o direito de falar a língua de afeto, falada na família e na comunidade de amigos. Podem, ainda, oferecer-lhes um ponto de amarração a partir do qual não percam sua identidade mesmo em meio a constantes mudanças de país e de idiomas.

Como, na prática, fazer isso em um lugar onde a língua dos pais é muito diferente da oficial? É uma questão importante na Suécia, que recebe muitos estrangeiros. Dos seus 9 milhões de habitantes, 0.5% têm o português como língua de herança, e o direito de estudar neste idioma é garantido por lei a 500 crianças, que têm aulas em português e sueco.

As jornadas estão sendo um grande sucesso, e atraíram pessoas de 12 países. Eu tratarei dos impasses na legitimação da língua portuguesa em contextos linguísticos complexos, com o trabalho A estrangeiridade da língua materna, que tem como mote a necessidade de transcender o raciocínio binário, pois, quando se trata do humano, o que nos irmana é que somos todos muito esquisitos. Nunca superamos a sensação de sermos uns estranhos, perdidos em nosso próprio e incompreensível corpo. Em todas as línguas, tentamos, inutilmente, falar do nosso amor, captar a nossa alegria, dar a ver os rumos bizarros traçados pela nossa singularidade.

E o que a paulista tem a dizer? Que, no Brasil, país no qual a organização da bagunça de diferenças dá o tom aos olhos dos suecos, pensamos que o que nos humaniza não é a famosa entrada na linguagem, mas o momento em que damos uma destinação para o que está além da discriminação trazida pelas línguas. Que, em São Paulo, entendemos que, quando se trata de nossa satisfação, o que vale é a lição de Shakespeare: uma rosa teria o mesmo cheiro, mesmo se mudasse de nome. Que, na Clínica do Real, não se trata de classificar alunos, mas de entender que, de perto, todos os gatos são pardos.