Por Suelen Gregatti da Igreja
Se há uma transcendência imanente ao humano, ela precisa ser sustentada. Ela deve ser dada a ver nas produções dos homens, como, por exemplo, nas artes, na literatura, nas histórias que permanecem ao longo do tempo.
No último dia 17, o filósofo Luc Ferry teve uma crônica publicada no jornal Le Figaro. Nas primeiras linhas, perguntava: “O que seria admirado em nosso tempo?”. A pergunta intrigou-nos , em especial por considerarmos que ela é essencial a quem se dedica ao ensino. Como decidir o que ensinar às novas gerações sem saber o que admiramos em nosso tempo?
Concordando com a relevância da interrogação, decidimos trilhar o percurso proposto por Ferry. Para responder à pergunta mote do texto, o filósofo inicialmente recorreu à etimologia da palavra “admiração”. Retomou os modos como foi interpretada em língua francesa, desde o francês antigo. Partiu de uma concepção de “admiração” como algo que se dava por um aspecto surpreendente. Nessa acepção, admirava-se tudo aquilo que fosse grande, transcendente, impressionante.
A partir dessa concepção, Ferry apontou a dificuldade de se admirar obras e comportamentos humanos. Se é fácil projetar traços impressionantes em entidades divinas para podermos admirá-las, é menos fácil encontrar esses mesmos traços em pessoas de carne e osso. Essa constatação o levou a defender outra concepção de “admirável”: o homem em sua pequenez.
Recuperando uma citação de Tocqueville, que acreditava na igualdade de condições para todos, essência da democracia, o filósofo interrogou se haveria ainda espaço para a grandiosidade. A fim de responder a essa pergunta, recorreu ao exemplo do general Charles de Gaulle que, para os franceses, encarnaria “uma visão universal da França, uma entidade superior” a si próprio e, portanto, admirável.
Foi a partir desse exemplo que Ferry defendeu seu ponto de vista: no humano como tal há uma grandiosidade. A vida do ser humano teria, portanto, um valor sagrado em si, sem necessidade de que essa transcendência fosse referida a grandes símbolos (o cosmos, o divino, a nação) para ser dada a ver. Ela estaria no próprio humano.
Que implicações teriam as afirmações do filósofo para a educação? Um leitor desavisado poderia pensar, ao ler seu artigo, que, então, não há mais necessidade de o ser humano estudar para deixar de ser menos medíocre, já que somos todos admiráveis?
A leitura do último parágrafo do artigo interdita essa interpretação. Nele, Ferry declarou que, face às demonstrações humanas que, publicamente, dão a ver de falta de coragem, insignificância e vulgaridade, restariam apenas a dúvida e uma profunda vertigem dolorosa. Sua “receita” para escapar disso é o recurso às lições da história e as das grandes obras da humanidade. Então, lendo seu artigo podemos concluir que, se há uma transcendência imanente ao humano, ela precisa ser sustentada. Ela deve ser dada a ver nas produções dos homens, como, por exemplo, nas artes, na literatura, nas histórias que permanecem ao longo do tempo.
Estariam aí norteadores para os papéis do professor e do aluno. Ao último estaria reservada a tarefa de arcar com o ônus da curiosidade e do desejo de deixar de ser um idiota, no sentido explicado por Jorge Forbes (idêntico a todos os outros). Ao primeiro, seria necessário sustentar o desejo de buscar meios a partir dos quais as novas gerações possam ser inseridas no legado cultural que lhes foi deixado. Os frutos desse encontro, por sua vez, poderiam responder a pergunta a respeito do que admiramos na escola de hoje.
Suelen Gregatti da Igreja é professora de língua portuguesa e doutoranda em Educação pela Universidade de São Paulo.