Por Rodnei Corsini
Os professores não podem se eximir da responsabilidade que está por trás dos planejamentos de curso centrados nos alunos, nos quais cabe aos estudantes dizer o que desejam aprender
Em todo começo do ano surge a mesma dúvida: como organizar o currículo para nortear as atividades didáticas? Desde os anos 1980, muita gente postula que a melhor opção são as abordagens centradas no aluno, isto é, aquelas nas quais cabe aos alunos dizer o que querem aprender. Há, inclusive, quem acredite que esta seria a escolha mais coerente com a abordagem psicanalítica.
Será? Não acreditamos. Na direção de explicitar os motivos da discordância, vamos recorrer a um filme do russo Andrei Tarkóvski, de 1979, como metáfora desse tipo de abordagem. A palavra “Stalker”, seu título, é usada para nomear aqueles que conduzem outras pessoas através de uma Zona proibida, uma área isolada, guardada por vigias armados. No filme, o stalker guia dois personagens. Sua crença é a de que, após atravessar o local, podem chegar até uma sala onde os mais profundos desejos se realizam.
Tendo como referência a psicanálise de Jacques Lacan (em Lacrimae Rerum), Slavoj Žižek acredita que, no filme, a Zona não seria exatamente o local que serve de sustentação e suporte do desejo. Mas, sim, “o Real de uma alteridade absoluta incompatível com as regras e leis do nosso universo”.
Diferente da realidade supostamente objetiva, a qual existe anterior e independentemente do sujeito, o Real responde ao que sobra da operação de invenção da realidade singular que é feita por nós para podermos viver. Em outras palavras, nossa “realidade” é, quando menos esperamos, rasgada pelo Real. Muito provavelmente, é por esse motivo que nos angustiamos frente a ele.
Em “Stalker”, a Zona é obscura e inóspita. É um ambiente que aparenta estar na eterna iminência de se decompor e sugar tudo o que comporta. Entrar nela e chegar até a câmara em que os desejos se realizam é bastante arriscado: parece exigir ousadia, perseverança, sutileza e certa espécie de fé. Trazendo para nosso tema, características também necessárias para ensinar e aprender.
No filme, somente o stalker parece dispor desses atributos (da crença, sobretudo). Como disse o próprio Tarkóvski, em entrevistas, a Zona e a sala dos desejos são criações desse personagem-guia. Os outros dois, ao entrarem na câmara, não realizam o que desejam. Žižek observa que eles sequer conseguem formular o que querem. Sequer conseguem, portanto, inventar um modo de colocar sua singularidade no mundo.
Voltemos à nossa questão inicial. Caso, em nossa metáfora, o professor fosse um “stalker” e seus alunos os aventureiros guiados por ele, como poderiam escolher o que querem aprender? Como poderiam fingir que o Real não existe e que, no espaço escolar, tudo é possível de ser simbolizado? Doce ilusão. Aos professores, antes serem chamados de autoritários (é sempre um risco) do que deixar seus alunos, sem palavras, vagando no mar da apatia.