Por Dorothee Rüdiger
Contra a proposta retrógrada do presidente da Comissão dos Direito Humanos da Câmara Federal, Marco Feliciano, vale a ousadia de prescindir das certezas que uma figura paterna possa dar
A família, a moral e os bons costumes ainda dão o que falar. No Brasil, protestos, indignação e beijaço gay na Avenida Paulista pretendem demover o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Marco Feliciano a renunciar do cargo. O deputado federal é conhecido por suas ideias pouco simpáticas às causas dos negros, das mulheres e dos homossexuais. Deixou claro que não arreda pé nem das suas ideias, nem do cargo.
Enquanto isso, na França, setores conservadores da sociedade civil mobilizam-se contra o casamento de pessoas do mesmo sexo. Querem manter a família como manda a tradição do código napoleônico. Reuniram, novamente, em Paris, uma multidão contra o projeto da lei que permitiria esse tipo de casamento. Já nos Estados Unidos, a Suprema Corte norte-americana está julgando se o dito casamento homossexual está de acordo com a constituição daquele país.
O que está em foco é a decadência de um modelo único de família, diante do qual não há escolhas a fazer. Esse é o modelo de um mundo no qual cada um tem seu lugar predestinado pela natureza, pela religião ou, ainda, pela tradição republicana. Pensar e existir fora desse lugar é impossível. Assim, para o pastor Marco Feliciano, tudo tem sua ordem divina. Aos brancos, pertence um lugar privilegiado no mundo; aos negros, condenados por Deus, a miséria na África; às mulheres, a cozinha; aos homens, o comando; e aos gays, a transa escondida no motel. É um padrão político retrógrado que tem seu encanto para os que se sentem ameaçados pela liberdade que a pós- modernidade nos proporciona.
Não custa reproduzir novamente um trecho do primeiro ensaio sobre a sexualidade escrito por Freud em 1905: “A pesquisa psicanalítica volta-se veementemente contra a tentativa de se separar os homossexuais dos outros seres humanos, como se fossem pessoas que pertenceriam a um grupo especial. Estudando outras manifestações da excitação sexual, a ciência psicanalítica percebeu que todos os seres humanos são capazes de escolher um objeto sexual do mesmo sexo e que essa escolha se realiza, inclusive, no inconsciente…”.
Como lidar com essas escolhas no terreno do amor e da sexualidade? A proposta da psicanálise volta-se contra qualquer discurso autoritário, higienista e racista. Sustentar uma escolha e, portanto ser livre, eis a questão! Porque a liberdade que experimentamos como resultado de uma análise tem seu preço: prescindir das certezas que uma figura paterna possa dar. Muitos não aguentam o peso da liberdade e procuram um padrão a seguir. Pode ser moral ou natural, mas é sempre um padrão. Mais difícil é viver sem obediência aos padrões. Implica a atitude de assumir essa radical diferença que incomoda quem tem uma receita de vida pronta a ser aplicada a todos e disso não abre mão de jeito nenhum.