Por Italo Venturelli
“A gente não quer só comida, a gente quer diversão e arte”
Tente estacionar seu carro em frente a uma padaria ao final da tarde. Vai encontrar o maior congestionamento. De longe já se percebe o delicioso perfume de pão quentinho. Tem para todo gosto: pão francês fresquinho, pão português molinho, pão italiano com a crosta crocante, sem falar das ciabattas. Mamma mia! Comer logo ali em companhia de vizinhos e amigos o pão saindo do forno com manteiga e café com leite, que delícia!
Os nutricionistas ficam de cabelo em pé. William Davis, que em seu livro “Wheat Belly”, descreve com detalhes os riscos de uma dieta em que se utiliza a farinha branca, mais especificamente o trigo. Por ser pobre em fibras, a farinha branca causa efeitos colaterais como aumento de peso e constipação intestinal. Produtos como pão, macarrão e bolos, que são feitos de farinha branca, aumentam o triglicerídio e a glicose. A manteiga no pão também consta do index da ciência da nutrição. É fornecedora de colesterol ruim. E nem o leite, tradicionalmente apreciado como fonte de cálcio, se salva. Nutricionistas da Universidade de Harvard o baniram junto com os queijos e iogurtes da pirâmide alimentar. Causa câncer, dizem.
Pois é. Temos cada vez mais provas em pesos e medidas que deveriam nos levar a dizer pudicamente “não” ao tradicional pãozinho com manteiga e seu acompanhante fiel, o café com leite. Sabemos, que é necessário seguir uma dieta correta para não prejudicarmos os nossos organismos. Mas, “ a gente não quer só comida”, como cantam os Titãs. A gente quer diversão e arte, pois, como seres humanos, possuimos um corpo que vai além daquele que só se alimenta. Temos um corpo civilizado, erotizado, um corpo que busca, além do alimento, satisfação, nem que seja na padaria.
Admitimos que muita gente não sabe exatamente o que quer e se entope de comida frente à televisão e ao computador. Pesquisas demonstram que 30% das pessoas que procuram tratamento para obesidade ou para perda de peso são portadoras de transtorno do comer compulsivo. Um dos fatores, sem dúvida, é a angústia gerada pela mudança de paradigma ao qual o homem moderno está exposto. Segundo Jorge Forbes, saímos de um mundo de orientação vertical, pai orientado, para um mundo de orientação horizontal, onde as possibilidades se multiplicam e as escolhas têm que ser responsáveis e consequentes.
Diante da perda de referências na sociedade contemporânea, nosso corpo cultural, erotizado, não se reconhece mais mínimamente no espelho. Assim, magros, correm o risco de se tornarem esqueléticos por se acharem gordos. Gordos não percebem o sobrepeso porque se acham donos de um corpinho perfeito.
Enquanto os nutricionistas olham o cardápio e a balança, psicanalistas tratam do corpo erotizado atravessado pela civilização contemporânea. Isso significa “liberou geral” para mandar a dieta às favas? Não. Comer bem é bom, nem que seja para, de vez em quando, se permitir o prazer de ir à padaria, encontrar amigos e vizinhos e saborear um pãozinho que acabou de sair do forno.
Italo Venturelli é neurocirurgião e psicanalista.