Por Dorothee Rüdiger
Paraíso – um filme que acaba com balanças, fitas métricas, tabelas nutricionais e, principalmente, com reuniões, nas quais magros ensinam a gordos entrar na linha.
Para quem está de dieta, assistir o filme mexicano Paraíso, dirigido por Mariana Chenillo e lançado em 2013, é um perigo. É um filme que acaba com balanças, fitas métricas, tabelas nutricionais e, principalmente, com reuniões, nas quais magros ensinam a gordos entrar na linha. Denuncia de uma maneira deliciosa a moral estético-científica. Tal qual a moral religiosa que ameaçava com castigos infernais os fiéis que se entregavam à gula e à luxúria, a moral contemporânea condena o sobrepeso como pecado mortal. “Chocolate é coisa do diabo”, afirma uma das personagens num tom de pároco de uma dessas comunidades de peso que se juntam para combater as tentações da carne pós-moderna.
Gordo e Gorda, em sua inocência paradisíaca, no interior de uma cidadezinha mexicana, não sabem nada desse purgatório de pesos e medidas. Vivem felizes como um casal perfeito. Cada um encontrou sua cara metade, uma é a cara do outro. Amam, riem, gozam a vida. Até que mudam do interior para a capital, onde os padrões de comportamento e de beleza são outros. Expulsos do paraíso tentam como podem adaptar-se à civilização. O filme é verdadeira aula sobre a neurose. Enquanto Gordo se adapta à civilização seguindo à risca seus padrões, Gorda escapa. Eva dos tempos pós-modernos morde a maçã com todo gosto e encontra um lugar para sua sensualidade desmensurada: a cozinha. Enquanto ele se entrega à civilização, ela escapa.
Evidentemente, não dá para escapar da civilização. É nela que vivemos e é com ela que temos que nos virar. No entanto, na contramão do senso comum da estética contemporânea , Paraíso revela que o desejo não se deixa enquadrar. Escapa, como Gorda, de pesos e medidas. Gordos e esbeltos são capazes de amar e de sofrer as decepções do amor. A vida dentro dos conformes não garante a felicidade de ninguém. Fora de qualquer padrão, há muito amor e sexo para dar. Pois o amor se inventa.
Será que Gordo e Gorda se reencontram na civilização? Vale a pena ir a Paraíso para conferir.
Dorothee Rüdiger é psicanalista e doutora em Direito pela Universidade de São Paulo