O Paraíso e o pecado da gula 28/08/2014

Por Dorothee Rüdiger

Paraíso – um filme que acaba com balanças, fitas métricas, tabelas nutricionais e, principalmente,  com reuniões, nas quais magros ensinam a gordos entrar na linha.

Para quem está de dieta, assistir o filme mexicano  Paraíso, dirigido por Mariana Chenillo e lançado em 2013, é um perigo.  É um filme que acaba com  balanças, fitas métricas, tabelas nutricionais e, principalmente,  com reuniões, nas quais magros ensinam a gordos entrar na linha.  Denuncia de uma maneira deliciosa a moral estético-científica. Tal qual a moral religiosa que  ameaçava com castigos infernais os fiéis que se entregavam à gula e à luxúria,  a moral contemporânea condena o sobrepeso como pecado mortal.  “Chocolate é coisa do diabo”, afirma uma das personagens num tom de pároco de uma dessas comunidades de peso que se juntam para combater as tentações da carne pós-moderna.

Gordo e Gorda, em sua inocência paradisíaca, no interior de uma cidadezinha mexicana, não sabem nada desse purgatório de pesos e medidas. Vivem felizes  como um casal perfeito. Cada um encontrou sua cara metade, uma é a cara do outro. Amam, riem, gozam a vida.  Até que mudam do interior para a capital, onde os padrões de comportamento e de beleza são outros. Expulsos do paraíso tentam como podem adaptar-se à civilização.  O filme é verdadeira aula sobre  a neurose. Enquanto Gordo se adapta à civilização seguindo à risca seus padrões,  Gorda escapa.  Eva dos tempos pós-modernos morde a maçã com todo gosto e encontra um lugar para sua  sensualidade desmensurada: a cozinha.  Enquanto ele se entrega à civilização, ela escapa.

Evidentemente, não dá para escapar da  civilização.  É nela que vivemos e é com ela que temos que nos virar.  No entanto, na contramão do senso comum da estética contemporânea , Paraíso revela que o desejo não se deixa enquadrar. Escapa, como  Gorda, de pesos e medidas.    Gordos e esbeltos são capazes de amar e de sofrer as decepções do amor.  A vida dentro dos conformes não garante a felicidade de ninguém.   Fora de qualquer padrão, há muito amor e sexo para dar.  Pois o amor se inventa.

Será que Gordo e Gorda  se reencontram na civilização?   Vale a pena ir a Paraíso para conferir.

Dorothee Rüdiger é psicanalista e doutora em Direito pela Universidade de São Paulo