Por Tatiana do Prado Valladares
O advogado é o agente da lei e goza do prestígio da sociedade, mas encarna também seus limites, seus furos
“Meu sonho é ver meu filho tornar-se advogado.” É esse ainda o desejo de grande parte dos pais. Principais razões para tal desejo são, dentre outras, a tradição da profissão, a respeitabilidade social, a referência intelectual que o Direito suscita e a possibilidade de ascensão econômica do advogado. O filho que comunica o desejo de ser advogado costuma provocar uma reação de orgulho e dever cumprido por parte da família.
Paradoxalmente, esses mesmos pais, caso tenham necessidade de contratar um advogado, provavelmente reagirão com bem menos simpatia ao profissional requisitado. “Usurpadores”, “abutres” e “desonestos” são até termos gentis, se procurarmos qualquer informação acerca da avaliação que a sociedade faz desses profissionais. Numa busca rápida no Google, a expressão “detesto advogado” resulta em nada menos que 757.000 links. O advogado é visto pela sociedade como um “mal necessário”, quando não como aquele que usa o conhecimento da Lei para burlá-la em benefício próprio. Não faltam anedotas sobre os advogados, as quais podem dar uma ideia clara desta percepção.
O advogado, portanto, está localizado num espaço onde as demandas e as expectativas se dão de modo inversamente proporcionais. É, ao mesmo tempo, respeitado e desrespeitado, valorizado e desvalorizado, numa escala que vai do maior ao menor grau de respeito e valor imediatamente e de modo contínuo, ininterrupto e perpétuo. O advogado é o agente da lei e goza do prestígio da sociedade, mas encarna também seus limites, seus furos. Quem espera dele ser a encarnação da justiça, vai se frustrar.
Não bastassem as demandas sociais inerentes à profissão, o advogado é preparado, ao longo do seu curso, para satisfazer a demanda dos seus clientes. Pior ainda, é preparado para agir em nome do outro e ser diretamente responsável pelo resultado que se produzirá nesse outro, ou seja, no cliente. Assim, pode-se observar que o advogado está direcionado a estabelecer como objetivo primordial da sua existência a busca incessante pelo atendimento dos desejos e demandas do Outro – da família, da sociedade, de seus clientes. Demandas essas, que são impossíveis de serem atendidas, mas cuja satisfação é tratada como obrigatória. Longe do conhecimento da psicanálise e, muitas vezes, da experiência psicanalítica, e, portanto, sem ideia da impossibilidade de se atender a qualquer demanda, o nível de angústia de grande parte dos advogados é altíssimo.
Porém, descobrir a impossibilidade de se atender a demanda do Outro para um sujeito cuja função social é única e exclusivamente atuar em nome dos outros é, para dizer o mínimo, devastador. Remete aos limites da lei, aos limites da civilização de satisfazer o desejo humano, à impossibilidade de se encontrar a justaposição dos interesses de quem quer que seja. Sendo advogado, corre-se o risco, portanto, de ficar preso no espelho entre ser aquilo que entende ser e o que deveria ser. Difícil para quem “empresta a voz” aos outros é livrar-se das expectativas desses outros e da ilusão de poder atendê-los.
Tatiana do Prado Valladares é advogada e faz formação em psicanálise.