Por Dorothee Rüdiger
Bento XVI percebeu a complexidade da era contemporânea e o ocaso das grandes figuras paternas de outrora. Na crise de seu poder, aparece Joseph Ratzinger, o ser humano: frágil e angustiado diante da morte iminente
O Papa Bento XVI resolveu deixar o cargo. Está cansado. Talvez esteja secretamente com saudade da Bavária e, porque não, da cervejinha daquelas bandas. Vai saber? O que se sabe é que o Santo Padre está decidido a renunciar. Isso é coisa que não se faz – ou melhor, não se fez nos últimos 600 anos. Os papas costumam aguentar firme na Santa Sé até morrerem “de morte morrida”, como se diz.
O papa, como o pai da família, deixava seu lugar vago apenas depois de morto. O pai era patriarca, chefe da família e modelo para o chefe da nação ou da empresa. Governava com mãos firmes sua família, seu país, seu capital, o Vaticano, como o fazia Bento XVI. Esse pai poderoso era o pai que Sigmund Freud conhecia. Figura central na casa e no inconsciente, era o responsável pelo Complexo de Édipo, o medo da castração e tinha até uma instância no inconsciente: o superego. Em toda a parte, o pai orientava a vida das pessoas, dava sentido.
No século XXI, essa figura paterna, antes adorada, temida e idolatrada, está se tornando cada vez mais rara. A família, em muitos lugares, não segue mais o modelo patriarcal. Os Estados perderam poder na globalização e as empresas se organizam em rede. Para muitos psicanalistas, o Complexo de Édipo tonou-se “um mito”, como Jacques Lacan já previa em 1969. Em tempos pós-modernos sofre-se muito mais pela “morte dos ídolos”, para usar uma expressão do filósofo Friedrich Nietzsche, do que pelo poderio deles.
Não é que o Santo Padre (Nomen est omen!), agora, tenha se tornado um adepto da filosofia pós-moderna. No entanto, percebeu a complexidade da era contemporânea, incluindo o ocaso das grandes figuras paternas de outrora. Sente o peso de seu cargo. Mas, na crise de seu poder, aparece Joseph Ratzinger, o ser humano: frágil e angustiado diante da morte iminente, alguém que se prepara para viver “escondido do mundo”.
Assim, um homem deixa o comando da Igreja Católica, um dos cargos mais poderosos do mundo, para, quem sabe, curtir sua aposentadoria na Bavária. Afinal, como se diz, nesse santo país chamado Brasil, ”o Herr Ratzinger também é filho de Deus!”.