Por Dorothee Rüdiger
Enquanto lá se dorme, do lado de cá da linha do equador, nos motéis pouco se dorme
O lalá! Os motéis brasileiros estão causando. Causam inveja mundo afora. Despertam o desejo de experimentar coisas diferentes em quesito de sexo. Chamam a atenção de empresários estrangeiros para negócios com a luxúria no além-mar. Tornaram-se objetos de pesquisas, tal como a do antropólogo francês Jérôme Souty, quem, em breve, lançará na França, em forma de livro, seu estudo a respeito de motéis brasileiros.
O motel é uma invenção brasileira que seduz todo mundo e o mundo todo. Lá fora, praticamente, não há motéis. Há hotéis chamados de motéis, porque, à beira da estrada, abrigam o carro, enquanto os hóspedes dormem. Cama redonda, espelho no teto e filme de sacanagem? Nada disso! Motéis, lá fora, são singelos imóveis alugados para viajantes cansados.
Enquanto lá se dorme, do lado de cá da linha do equador, nos motéis pouco se dorme. Realizam-se sonhos eróticos e exóticos cheios de sensualidade. Não há, nos motéis brasileiros, limites para a fantasia dos empresários e de seus clientes, isto é, casais que se deleitam em meio ao kitsch. Esse kitsch erótico pode ser singelo ou de ostentação. Tanto faz. Faz parte do pacote. Ajuda a entrar no clima. Os casais gozam, fora da cena do cotidiano, na obscenidade, daquilo que existe de mais vulgar e, por isso mesmo, tremendamente sexy.
O citado antropólogo pesquisador francês investigou essa instituição brasileira criada para possibilitar a casais de todos os gêneros inúmeras variações da liberdade sexual. Divulgada pela imprensa, a pesquisa analisa os motéis no contexto do cenário social brasileiro, onde, segundo a pesquisa, reinam o machismo, o conservadorismo e uma visão patriarcal da família. Será que não haveria motéis na Europa porque lá já superaram esse cenário?
Em se tratando de sensualidade, os franceses e sua Belle Époque da casa noturna do Moulin Rouge são até hoje referência para outros povos. Para os alemães, uma camisinha é, no jargão popular, chamada de Pariser, peça erótica chamada pelos ingleses de french envelope. Por aqui, temos a herança sensual dos franceses na lingerie. Afinal, soutiens, corsages, négligées e outras peças íntimas são inspiradas nos costumes de que povo? Franceses, alemães ou brasileiros, precisamos do kitsch, da futilidade, do froufrou, dos espelhos, do nada convencional de nossas fantasias eróticas.
Jacques Lacan, um francês menos pudico e em nada politicamente correto, brincou, na sua aula inaugural do seminário 20, com a necessidade do ser humano de criar cenários e fantasias no sexo. Adoramos a futilidade de uma roupa sensual e o kitsch de um motel, porque prometem o que há de mais mentiroso: a ilusão, nem que seja por poucos momentos, que dá para fugir da civilização, mergulhar numa cena, na qual não somos limitados por suas leis e suas exigências. Há momentos nos quais podemos, nos Taj Mahals brasileiros à beira das rodovias, saborear o encontro imaginário com o outro, sem a necessidade de sermos corretos e coerentes, sem obediência à etiqueta, desfrutar o encontro com o outro. Podemos gozar em todos os sentidos. É o momento de falar besteiras ao pé do ouvido do outro e se entregar à cena. Nessa, parece não haver aquela incompatibilidade de gênios endêmica entre os casais que a DR não resolve. Há união no sexo, no orgasmo, chamado de “a pequena morte”. Por um instante, ali, na obscenidade de um motel cheio de adornos de gosto duvidável, a civilização permite, por um instante só, a completude que ela impossibilita experimentar, quando impõe suas leis. Talvez esteja aí o segredo do sucesso do motel, instituição brasileira que, no mundo globalizado, promete revolucionar os costumes mundo afora. Haja criatividade!
Dorothee Rüdiger é psicanalista e doutora em Direito pela Universidade de São Paulo
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