Por Dorothee Rüdiger
Diferentemente dos atentados políticos que marcaram revoluções nas últimas décadas, o terror da contemporaneidade é anônimo, não assume a causa e pode se esconder ao lado ou mesmo em nós Quem olha o retrato de Dzhokhar Tsarnaev , o rapaz de 19 anos que está sendo acusado de ter provocado, junto com seu irmão, a morte de três jovens e a mutilação de outras pessoas explodindo bombas caseiras durante a maratona de Boston, no dia 15 de abril, tem dificuldade de acreditar que está diante de um assassino. Bom aluno, sobrinho obediente, vizinho simpático, teria partido para a ignorância de um ato atroz. Mais um. Lembramos imediatamente de outras atrocidades cometidas por pessoas aparentemente inofensivas, como no Realengo, no Rio de Janeiro, ou em Oslo, na Noruega. Todos esses casos, e outros tantos que ocorreram no mundo globalizado, causam mal-estar, não somente pela violência, mas, principalmente, porque não há motivo convincente para o ato. São “lobos solitários” que agem por agir. Por quê? Quem vai saber?
Sendo alemã que viveu a juventude nos anos 70 e no início dos anos 80 na Alemanha, lembro muito bem como eram os atos terroristas daquela época. Tinham endereço certo: o Estado e o “sistema”. Quando acontecia algum atentado, por exemplo, do então famoso grupo Baader-Meinhoff, a organização fazia questão de reivindicar a autoria imediatamente. Seguiam-se longos arrazoados sobre os motivos. Era a tentativa dos grupos de deixarem sua marca política na história, como, de fato, aconteceu.
De lá para cá, vivemos uma quebra de paradigmas. Na sociedade global, não nos orientamos mais nas figuras paternas, nem para combatê-las, a ferro e fogo, em nome da Revolução. Se antes havia ideais a serem realizados por um grupo de pessoas organizadas em torno de uma causa, hoje, os grupos que agem assim são cada vez mais raros.
Proliferam os “lobos solitários” que, ainda por cima, têm cara de carneiro. E é a sociedade que procura, desesperadamente, saber o que os motivou a agir. Saber o motivo de um ato acalenta. Dá sentido, justifica o mundo que estava “fora do eixo”. Eis, aliás, o sentido da Justiça: fazer com que o mundo volte para o eixo, se ajuste. No entanto, esse ajuste apenas contorna algo assustador: de que, a qualquer momento, podemos ser surpreendidos com a violência cometida por nossos vizinhos, sobrinhos, filhos e, quiçá, até por nós mesmos.
Dorothee Rüdiger é doutora em direito pela Universidade de São Paulo e psicanalista lacaniana