Por Claudia Riolfi
2013 vem aí, isso é certo. Esse tempo que se inicia vai ser um ano novo para você?
Daqui a pouco, todo mundo vai estar dizendo: Feliz Ano-Novo! Quem escuta estes votos, aparentemente, deveria ficar contente, mas, ao contrário, fica vagamente apreensivo. O que será que esperam dele quando lhe mandam ser feliz? Será que ele sabe ser feliz? E se, de repente, o jeito dele de se sentir feliz não for do jeito que todos acham bacana?
É um inferno esse negócio de dar e receber palavras. Nós nem nos damos conta do quanto as palavras mandam na gente. Quanto mais queremos ser adultos, sérios e adequados, mais elas se tornam um peso insuportável. Lacan chama este processo de “assujeitamento”, ou seja, a desistência, por parte de uma pessoa, de parcela de sua singularidade para se adequar aos sentidos socialmente estabilizados. Quando uma pessoa está assujeitada, entra ano, sai ano, e a vida não lhe traz nada de novo. São sempre as mesmas velhas e gastas palavras.
Que chatice! Então, se, de repente, você que me lê está aí lendo concorda com essa avaliação e já está se perguntando como 2013 poderia de fato, trazer algo de novo, uma dica: para você, o ano será novo na justa medida em que você recuperar, em sua vida o infantil, aquilo que estava antes da cristalização dos sentidos. Não entendeu? Dois exemplos.
Primeiro: Mapa turístico da Bacia de Angra nas mãos, D., 4 anos e 4 meses, recorda a recém-acabada semana de férias de verão com sua família. Todos tentam assinalar onde foi possível observar cada coisa durante mergulho livre. Várias ilhas foram mencionadas até que sua irmã, apontando uma das ilhas, perguntou: — Se nós fomos a tantas ilhas nesta região, por que não nesta? Referindo-se a um local mantido por uma revista periódica para fotografar celebridades durante o verão, seu pai respondeu: — Não fomos porque não pode entrar. É a Ilha de Caras. D. às gargalhadas, replicou: — Nossa, ainda bem que nós não fomos! Como D. nunca havia lido uma revista Caras em sua vida, sua mãe ficou perplexa com esta declaração. Perguntou: — Ué, você gosta tanto de mergulhar em ilhas, ainda bem por quê? Foi presenteada com a seguinte declaração de amor: — Uma ilha só de caras! Que coisa mais chata! O que meu pai e eu iríamos ficar fazendo lá, sem as nossas meninas!
Caso fosse muito esperto, e estivesse por dentro de todas as últimas fofocas de “Caras”, D. poderia estar, até hoje, chorando por não ter ido lá. Neste caso, foi salvo por saber menos. Por desconhecer que “Caras” é o nome próprio de uma publicação, D. interpretou este significante como conotando um “humano do sexo masculino”. Ao fazê-lo, acabou criando uma imagem cômica: a existência de uma ilha destinada a reunir homens que, ao menos durante um tempo, se congregam para o exercício de uma posição homossexual, não podendo admitir a presença do sexo oposto. Afastando-se vivamente desta “programação de férias” e reivindicando a presença de “suas meninas”, D. não só inventou uma nova ilha como reafirmou sua posição sexuada.
Segundo: Aos nove anos e seis meses, L. estava retornando da escola, na companhia de sua mãe. Informada de um grande conflito em andamento no condomínio onde moravam, a menina teve sua atenção voltada para uma frase presente em um cartaz afixado no quadro de avisos de um dos elevadores: “COMPAREÇA À ASSEMBLEIA ORDINÁRIA”.
Primeiramente, referindo-se à palavra “ordinária”, perguntou com seriedade: — Este é mesmo o nome da assembleia ou estão xingando ela? Após ter sido esclarecida sobre o significado da expressão “Assembleia ordinária” ela propôs à mãe, com cara de sapeca: — Ia ficar bem engraçado se a gente pusesse uma vírgula logo depois de “Assembleia”, não é mãe?
Mobilizando um complexo conhecimento da sintaxe de sua língua, a menina propôs a transformação de um adjunto adnominal em vocativo por meio da introdução de uma pontuação antes inexistente. O efeito de humor proposto pela menina constitui-se em um deslocamento simples: fazer a palavra “ordinária” passar a designar as leitoras do cartaz e não mais a “assembleia”. Como no caso de D., ela desmancha o sentido cristalizado, diverte-se imensamente, e, de quebra, inscreve a ela e a sua mãe em um mesmo time: o das mulheres extraordinárias, diferentes das demais leitoras do cartaz.
O que as duas crianças partilham? Elas criam o novo com as mesmas palavras de sempre porque não são prisioneiros dos significados do ano passado. Que tal fazermos o mesmo com a vida? Feliz Ano-Novo!