O fracasso, o inconsciente e o amor: a experiência de um caso clínico do Projeto Genoma 20/12/2016

Por Gisele Vitória

Nesse caso clínico apresentado na Conversação Clínica do IPLA 2016, o paciente tinha satisfação na “espetacularização da desgraça”. Forbes orienta, como direção de tratamento “lidar com o descompasso entre o trágico e o cômico em sua vida, e também sua dificuldade em enfrentar uma mulher”

O fracasso do inconsciente é o amor. Essa é uma das formas de ler o título do Seminário de Jacques Lacan “L’insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre”. A frase intrigante é pinçada dos comentários finais de Liége Lise sobre a apresentação “Efeitos de uma análise”, de Teresa Genesini. O-fracasso-do-inconsciente-é-o-amor. A sentença lacaniana martela na mente. Inverto a ordem. O amor é o fracasso do inconsciente. A dúvida permanece. Recorro à análise sintática. O fracasso do inconsciente: o sujeito. O amor: predicado. Ou é o contrário? O amor: sujeito. O fracasso do inconsciente: predicado. Onde está o objeto direto??? O que isso tem a ver com os efeitos da psicanálise em Dan, portador de Distrofia Miotônica de Steinert?

Dan, paciente do Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco da Universidade de São Paulo, dirigido por Mayana Zatz, foi atendido durante um ano e meio por Teresa Genesini, na Clínica de Psicanálise desse Centro, dirigida pelo psicanalista Jorge Forbes. O jovem de 23 anos entrou em contato com a psicanálise depois de ser encaminhado ao Genoma para fazer o exame de DNA e, posteriormente, confirmar o diagnóstico da doença. O tratamento foi pontuado por três entrevistas com Jorge Forbes. Os sintomas de Dan: fraqueza nas mãos há três anos e travamento na língua. As dores de Dan: ele tentava largar as drogas em encontros no Narcóticos Anônimos. Ele foi deixado por uma namorada.  “Ela o deletou do facebook, do Whatsapp, de tudo”, relatou Teresa. Tempos depois, Dan soube se reinventar por meio da psicanálise. Reconciliou-se com o desejo feminino. Seu perfil no facebook mostrou mãos atadas e alianças. Casou-se. Segue em frente, a partir do verbo IR, cunhado por Jorge Forbes, como I de invenção e R de responsabilidade.

Esqueço as aulas de gramática e, ao final da apresentação no auditório da Pousada Quilombo, em São Bento do Sapucaí, corro na direção de Liége. A frase ainda martela. Responda depressa: “Por que o fracasso do inconsciente é o amor?” Liége responde: “O fracasso do inconsciente é o amor porque, no fim das contas, o que Lacan diz é: o amor é a ponte que a gente inventa e cria para preencher a inexistência da relação sexual.” A resposta pede ancoragem na teoria que reverbera no aforismo lacaniano: “Não existe relação sexual”.  E o amor é a ponte inventada para aquilo que é inexorável:  não-relação sexual. O não-encontro. A singularidade deve se exercitar na diferença, pontua Jorge Forbes.

Liége explica que privilegiou a frase de Lacan nos comentários após a exposição do caso por uma simples razão. Muito embora Dan estivesse enfrentando o choque de se saber portador de uma doença degenerativa, sua maior questão talvez não fosse essa. “Privilegiei isso no comentário do caso clínico acompanhado por Teresa em função do que Dan expôs da sua própria dificuldade de ousar uma mulher”, diz ela. “Jorge Forbes traduziu isso apontando a dificuldade dele de enfrentar o desejo feminino.  Em resumo, a grande dificuldade de um homem é enfrentar o desejo feminino.” 

Em seus seminários, Lacan disse ‘amo em ti mais do que tu. Amar é dar o que não se tem àquele que não quer’”. E Liége prossegue, no fabuloso papo do cafezinho, com frescor noturno das montanhas na última noite da conversação IPLA 2016.  “É na ausência da relação sexual que a gente inventa o amor. Ele é sentimento que permeia a incompletude. ” Digo: A verdade é que eu, você, Dan, Teresa, Liége, Jorge, ou quem for… a verdade é que a gente ama, sim, mas, lembra Liége, “o amor será sempre da ordem do insucesso. Não há outra condição”. A gente se faz. E Freud diz: “A psicanálise é, em essência, a clínica do amor.”

Gisele Vitória é jornalista, colunista da revista IstoÉ e diretora de núcleo das revistas Planeta, IstoÉ Platinum, da Editora Três 

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