Por Ana Carolina Barros Silva
Será que ser considerado muito inteligente é sempre benéfico? Ou será que o diagnóstico de superdotação pode vir a se tornar um problema para a criança que o recebeu? Será que, para alguns, ele não poderia ser recebido como os laudos que apontam o Transtorno de Déficit de Atencão e Hiperatividade, por exemplo? Essas questões foram inspiradas na leitura do artigo “Projeto da Unesp identifica estudantes superdotados”, de José Maria Tomazela, publicado, no dia 30 de julho de 2015, no caderno de Educação do jornal Estadão.
O texto discorre a respeito de uma pesquisa realizada na cidade de Marília, com 289 alunos, estudantes do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública. Seu intuito foi identificar crianças consideradas superdotadas, ou seja, aquelas que atingissem o quociente acima de 130 nos testes aplicados. Os pesquisadores afirmam que o objetivo dessa identificação seria contribuir com projetos individualizados de ensino-aprendizagem dos alunos superdotados entendendo que com isso os mesmos poderiam desenvolver suas habilidades.
O procedimento dos pesquisadores da Unesp ressoa na tradição clássica da Psicologia comportamental, experimental ou cognitivista, que trabalha com as concepções de medição e prognóstico entendendo que aspectos como a inteligência podem ser mensurados e classificados por testes psicológicos quantitativos de uma forma padronizada, sem alterações estatísticas relevantes. Essa tradição é historicamente marcada por um viés determinista e patologizante do ser humano. Um teste psicológico pode até nos fornecer uma “fotografia psíquica” de um determinado indivíduo em um certo momento de seu desenvolvimento, mas isso não representa muito quando admitimos a hipótese do sujeito do inconsciente.
A superdotação é uma característica que algumas crianças vão apresentar e outras não. Seria interessante não só podermos pensar uma educação que desse conta de abarcá-la, mas que, também, compreendesse que um aluno, seja ele considerado superdotado ou não, tem um modo de aprender que é singular. Ao trabalharmos desde a psicanálise, estamos supondo a possibilidade de deslocamentos da posição subjetiva de alguém, inclusive da sua posição em relação ao saber.
Se olharmos superficialmente o esforço dos pesquisadores da Unesp, podemos ingenuamente tomá-lo como uma aposta positiva que só trará benefícios. Entretanto, se compreendermos crianças como sujeitos a serem apreendidos em sua singularidade, talvez passemos a pensar que não é tão interessante trabalhar com padrões estáveis e inflexíveis. Apostemos nas possibilidades.
Ana Carolina Barros Silva é psicanalista e mestre em Educação pela Universidade de São Paulo.