O desejo é tudo! 12/09/2013

Por Liége Lise

O trabalho do técnico na formação de atletas é manter viva a aposta, o aprendizado de lidar com a pressão e a surpresa, a firmeza nos propósitos e a persistência

A técnica, o gesto repetitivo e o exercício maçante são partes da construção das vitórias. Mas o que faz a diferença? Nenhum biótipo avantajado, nenhuma perícia técnica garante o sucesso. Os diferenciais elencados por Reinaldo Rosa, treinador de atletas de altíssimo nível como Cesar Cielo, soam familiares para a psicanálise: estar preparado a suportar as consequências do sucesso, ter um desejo decido e estar pronto para a surpresa. Em entrevista exclusiva ao Mundo Visto pela Psicanálise, Reinaldo Rosa fala a Liége Lise.

Como foi seu encontro com Cesar Cielo?
Ele tinha 12 anos quando fui seu técnico pela primeira vez. Cesar era um menino magrinho, frágil e muito doce. Já tinha uma postura observadora, falava pouco, mas tinha objetivos bem definidos. Não tolerava perder e, por conta disso, quando o esperado não acontecia, chorava.

Certo dia, em um Campeonato Paulista realizado em Americana, no interior de São Paulo, coloquei-o para nadar os 400m livres. Na saída, ele mexeu um dos pés, se ajeitando no bloco de partida. O juiz esperou finalizar a prova e o desclassificou, apesar dele ter vencido. Ele veio chorando ao meu encontro. Claro que minha vontade era acolhê-lo nos braços como todo mundo faz. Dizer-lhe que da próxima vez conseguiria, que o juiz foi injusto e até mesmo justificar com tantas outras explicações. Mas eu tinha que ver o que era melhor para ele. Tive a convicção de que precisava ajudá-lo a ser forte, em especial, emocionalmente. Ensiná-lo a olhar o lado positivo da derrota, de que a frustração faz parte do processo evolutivo do ser humano e do atleta e de que só se chega a campeão com o aprendizado da derrota. Imediatamente eu disse: “Engole esse choro, eu não estou lhe treinando para ser mais um e sim para ser um campeão”.

O que você destaca no seu trabalho como técnico junto a Cesar Cielo?
Sempre fui firme com ele. Eu enxergava um potencial, sempre desenvolvi um trabalho equilibrado sem desgastá-lo fisiologicamente. Acabamos ficando amigos, ele sabe o quanto fui importante para ele e sei o quanto ele foi para mim. Tenho plena convicção de que antes de ser um treinador, sou um educador e não quero fazer apenas campeões no esporte, mas na vida também. Cesar é um deles.    

O que foi decisivo em sua trajetória profissional?
Fé, persistência, planejamento, estabelecer objetivos, focar em metas, muita dedicação e disciplina. Não dar importância às críticas. Todos querem sucesso, mas, como isso tem um preço, nem todos estão preparados para suportar as consequências do sucesso. É como você estar em uma multidão e resolver colocar sua cabeça acima da média, uns odiarão você, outros amarão. Irão falar de você e você não pode dar peso a isso. Acreditar no que quer é tão fundamental quanto o ar que você respira. Acredito muito que quando você quer verdadeiramente, você consegue.

Que papel tem o desejo na carreira de um atleta?
O desejo é tudo! Alguns atletas não “nasceram” para ser campeões e acabam se tornando brilhantes campeões, fruto do fazer valer o inexorável do desejo. Já outros nasceram para ser campeões, mas nunca quiseram ou deram peso a isso. O desejo é o que impulsiona a superar obstáculos e dificuldades, faz o atleta buscar forças dentro de si após uma derrota e refazer o caminho em busca do sucesso.

Qual o peso dos aspectos subjetivos na formação de atletas?
Quando o atleta está treinando, 10% atribui-se ao seu emocional e 90% é treino. Quando está competindo esses números se invertem, ou seja, no momento em que ele é colocado à prova é necessário que saiba lidar com a pressão e a surpresa. E é aí que entra o trabalho do técnico. Na formação de atletas é preciso manter viva a aposta, a firmeza nos propósitos e a persistência.

Como aliar a paixão e a regra?
Ambas precisam caminhar juntas, não adianta a paixão sem disciplina, pois como todos os esportes, a natação possui regras, exigências e pede uma postura ao atleta que a representa. A paixão faz você sonhar, ir além das suas suficiências, estabelecer objetivos e metas, almejar o impossível.

Que função a família joga na carreira do atleta?
Muitos pais transferem suas frustrações esportivas para seus filhos. Indiretamente, eles exigem que os filhos conquistem o sucesso que não conseguiram e, sem perceber, colocam um peso enorme sobre esses jovens, atrapalhando suas próprias conquistas, pelo excesso de expectativas e cobrança. A família tem um papel muito importante na vida de um atleta e em seus resultados, é a base, o grande esteio. O apoio da família é imprescindível, quando o atleta conta com isso, o sucesso acontece.

Como identificar um talento esportivo?
Em minha opinião, um talento identifica-se pela dedicação, comprometimento, interesse, entrega e ligação com o que faz e a vontade de conquistar o sucesso. A partir daí, eu identifico um possível vencedor.

E o Doping? Como lidar com os atletas que, pressionados por resultados, acabam caindo nessa “tentação”?
Em minha opinião, é fundamental o trabalho de base. O técnico tem muita influência sobre seus respectivos atletas. Ele tem o papel de sempre orientá-los dos malefícios à saúde causados pelo uso dessas drogas e do alto preço pagam, inclusive eticamente, no caso de optarem por esse caminho. O atleta tem que, em primeiro lugar, buscar sua superação pessoal. A medalha é consequência da melhoria de suas marcas. Um desempenho baseado no uso de drogas provoca um resultado imediato, porém desonroso e não sustentável.

Quais as perspectivas para o esporte aquático brasileiro nas Olimpíadas de 2016?
Com todo o sucesso que a natação brasileira vem tendo nos últimos anos, até hoje não temos um centro de treinamento específico para a natação. Hoje cada técnico faz seu trabalho nas condições que ele tem e que seu clube lhe oferece, ainda assim são revelados alguns talentos. Especificamente para essa Olimpíada, Cesar Cielo e Thiago Pereira são nossas chances de medalhas e alguns jovens que hoje estão nas categorias juvenis. Se eles tiverem apoio e oportunidade de aprimorar seu talento, poderão se destacar.

Reinaldo Rosa é técnico de natação e treinador de atletas olímpicos com passagem pela Seleção Brasileira e Italiana. Tem mais de 30 títulos nacionais e mundiais. Atualmente é treinador de Cesar Cielo