O dedo de silicone 17/04/2013

Por Jorge Forbes

A biometria é uma das representações máximas da tentativa de controle do outro, mas é falha: não somos aquilo que o outro vigia e capta

Parece um artigo pornográfico, quando damos como título: “O dedo de silicone”. Fantasias explodem nas cabeças ávidas por demonstrarem sua esperteza na matéria sexual. E, no entanto, não é nada erótico esse dedo; ele só faz alusão à mais recente traquinagem descoberta nas hostes das safadezas contra a cidadania. Não é que foi pega uma autoescola em São Paulo que para evitar o penoso esforço, a seus honestos clientes, de terem de comparecer às aulas preparatórias ao exame de motorista, com presença controlada biometricamente pela impressão digital, resolveu tecnicamente a questão, burlando o controle com dedos de silicone cuidadosamente confeccionados para esse fim? Os dedos foram achados muito bem catalogados, todos com a devida identidade do proprietário, para que não houvesse falso reconhecimento, é claro. A cada um o seu dedo!

Esse acontecimento tragicômico lança luz reflexiva sobre uma questão bem atual: o controle dos corpos. Numa evolução estonteante, fomos daquela maquininha chamada de babá eletrônica, simples engenhoca que colocávamos nos berços das crianças para sermos avisados de seu choro, até sofisticados sistemas de áudio e vídeo, usados em múltiplas faixas etárias: o bebê, o escolar, o velho. Quem vai impedir pais ou filhos preocupados com pajens desconhecidas de vigiarem seus movimentos, ao saírem e deixarem seus filhos, ou seus pais, com esses potenciais agentes da maldade? Muito difícil. Foi-se o tempo em que por mais que a curiosidade matasse, jamais, mas jamais mesmo, uma pessoa abriria uma carta ou uma gaveta de alguém. Hoje, em nome da insegurança social, e facilitado pelo avanço tecnológico, vai-se muito além da gaveta, na proliferação preocupante de câmeras e microfones escondidos. Ainda se respeita certos ambientes, o banheiro, por exemplo, mas é questão de tempo para que essa onda avance também nessa praia.

A biometria já foi muito combatida no meio acadêmico-intelectual pela sua característica invasiva e controladora dos humanos. Giorgio Agamben, por exemplo, filósofo italiano da melhor cepa, renunciou a uma série de conferências convidadas nos Estados Unidos, a partir do dia em que esses começaram a exigir a impressão digital na entrada daquele país. O fato é que a progressão do reconhecimento digital de nossos corpos é inevitável. Resta saber, apesar disso, se o pesadelo do controle total é exequível. A resposta é não. A cada avanço das bugigangas de vigiar o outro, pensando que nada escapa às máquinas, surgem novas escaramuças.

Ora, ou proibimos câmaras e microfones, o que não parece nada realístico, pois o avanço da tecnologia é inexorável, ou nos damos conta que não somos aquilo que o outro nos vigia e capta. Tudo o que de nós pode ser copiado ou representado, é uma imagem, é uma ficção, mas não é real. A melhor maneira de se defender em uma sociedade da fofoca generalizada, como esta em que vivemos, é não dar consistência ao olhar do outro. Os artistas sabem muito bem responder a isso: sua foto nua em uma revista não autoriza intimidade a ninguém. Nada mais é do que um dedo de silicone.

Jorge Forbes é psicanalista. Texto publicado originalmente na revista IstoÉ Gente em março de 2013