Por Claudia Riolfi
Para os gregos antigos, não podia ser feliz aquele que pretendesse que o universo se mantivesse como era
As meninas estão inconformadas: como pode o charmoso, experiente e inteligente José Alfredo (Alexandre Nero) se dar mal por ter caído na conversa da cafona, vulgar e desagradável Magnólia (Zezé Polessa)? Como pode ter jogado fora o amor desinteressado e incondicional de Maria Isis (Marina Ruy Barbosa) e preferir ficar arrastando por aí a traiçoeira e vingativa Maria Marta (Lilia Cabral)? O que deu na cabeça dele? Teria o Comendador levado uma pancada bem forte enquanto ninguém assistia à Rede Globo? As perguntas foram tantas que motivaram a vontade de explicar sua curiosa estupidez com as lentes da psicanálise.
Para quem não conhece o enredo, os fatos são simples. Corroída de inveja da própria filha, Magnólia decide acabar com sua felicidade da maneira histérica mais clássica: por meio da intriga mentirosa. Pega um indício aqui, outro ali, coloca tudo no liquidificador, torce os fatos e calunia a fonte de seu desconforto. No caso, ela afirmou para Zé que sua namorada o havia traído com o seu próprio filho. Incapaz de sopesar o caráter e a lealdade da amada, o cretino saiu por aí atirando pedras. Ponto para Maria Marta, para Cora (que não estava nesse texto, mas é outra das intrigantes) e para Magnólia. Desgraça para Maria Isis e, acima de tudo, para Zé, que, por conta da própria cretinice, parece ter armado tudo para – usando outra das metáforas da novela – perder um raro e valiosíssimo diamante cor de rosa e guardar um vidro sem valor perto de si.
Por que? Para responder o que o povo quer saber, comecemos pelo estatuto que Zé deu para a intrigante, ao aceitar sua versão distorcida dos fatos: o da deusa grega Nêmesis, divindade que se encarregava de abater a húbris (desmesura), punindo o excesso com crueldade. No espírito helênico, ao manter tudo como era antes, a deusa mantinha o equilíbrio universal. Eles acreditavam que tudo que se elevava acima da sua condição subvertia a ordem do mundo, colocando-o em perigo. Em poucas palavras: para os gregos antigos, não podia ser feliz aquele que pretendesse que o universo se mantivesse como era.
Ou seja: Zé acreditou em Magnólia porque sua mentira lhe convinha. Não se tratou de “inocência”, de falta de esperteza, mas de horror às mudanças. O amor pela namorada tirava as ordens de seus lugares, bagunçava o “universo” e o expunha à Nêmesis. Temendo as represálias, ele mesmo precipitou seus castigos: nesse ponto da novela, a moça não quer mais saber do amado, mesmo que ainda haja amor. Pronto: o Comendador voltou à ordem cinza da infelicidade.
Do que ele sofre? Não da falta amor da garota, mas, sim, da sua falta de amor ao Real. Em face do encontro, não conseguiu sustentá-lo. Que pena! Como ajudar ao Zé? No momento, restam às telespectadoras torcer para que o feminino pare de ameaçá-lo. Aí, talvez, o moço possa ouvir, tranquilo, o canto da sereia.
Claudia Riolfi é Professora Livre-docente da Universidade de São Paulo. Cursou pós-doutorado em Linguística na Université Paris 8 Vincennes-Saint-Denis. Psicanalista, é Diretora Geral do IPLA.