O Brasil e o futuro 20/02/2014

Por Liége Lise

Para o sociólogo Domenico De Masi, o futuro chegou , antes de tudo, no Brasil 

O que estou fazendo aqui?  Com essa questão a respeito do novo mundo desorientado, no tempo e espaço, Domenico De Masi introduz seu mais recente livro.  O Futuro Chegou: modelos de vida para uma sociedade desorientada  tem por finalidade inspirar a criação de um modelo de vida de futuro que leve em consideração o desejo de felicidade das pessoas. Para tal feito, De Masi apresenta 15 modelos numa tentativa de mapear o que de significativo a humanidade já construiu e o que desse legado pode servir de inspiração para a elaboração de um modelo que responda aos impasses do novo mundo.  Em seu empreendimento, o autor chega ao modelo brasileiro, bastante inspirador para o futuro da humanidade na sociedade pós-industrial.  

Com a existência de tantos modelos de convivência humana, qual modelo escolher? De Masi, para evidenciar a dificuldade da escolha, lança ao leitor a possibilidade imaginária de escolher onde e quando nascer novamente. Apresenta lugares e temporalidades variadas. Constata uma insatisfação generalizada das pessoas que se colocam em movimento na busca por algo que, tão logo encontram, já não faz mais sentido. Para o autor, vivemos a falência de projetos pessoais e coletivos que já nos deram um norte.

A busca da possibilidade de um novo laço social vai ao encontro das pesquisas clínicas na psicanálise contemporânea no Brasil.  Lembremos que, no ano de 2003, Jorge Forbes promoveu um debate entre psicanalistas, juristas, filósofos e jornalistas que resultou no livro A Invenção do Futuro, cuja questão central é “como lidar com o novo laço social da globalização em suas múltiplas expressões, com um novo olhar.” A mudança do laço social e a desorientação na satisfação humana em consequência da quebra do eixo vertical  vêm sendo trabalhadas pelo psicanalista brasileiro que  cunhou o conceito do homem desbussolado   para designar o sujeito que se angustia diante de suas escolhas, outro tema em comum privilegiado pelo sociólogo italiano.

O Mal Estar na Civilização escrito por Sigmund Freud em 1930, parece ganhar uma atualização pelas lentes do sociólogo, quando este reflete sobre um mal estar generalizado expresso nas queixas das pessoas apoiadas nas desalentadoras previsões sobre os rumos futuros do planeta. Porém, o autor desafia tais presságios, contemporizando que, nunca o planeta foi habitado por tanta “massa cinzenta”, acenando sua aposta na criatividade e talento humano para invenção de soluções.O autor afirma que, paradoxalmente,  nunca se falou tanto em crise em um momento, no qual a humanidade chegou a conquistas que possibilitam a transformação da vida.  “Vemo-nos forçados”, diz o autor, “a reconhecer que o que está em crise não é a realidade, mas, sim a nossa maneira de interpretá-la, os nossos modelos: uma vez que as categorias mentais oriundas da época industrial já não são capazes de explicar o presente, acabamos sendo induzidos a desconfiar do futuro.” 

Ansiamos e desejamos por um novo mundo, embora não saibamos dizer como e de que jeito o queremos. Carecemos de um projeto que responda aos desafios lançados pelo progresso e nos coloque em uma rota sustentável.  Mas, ao longo da história,  desafios de todas as ordens foram superados por meio da criação de modelos de vida. Conhecer seus “esquemas conceituais” e analisar no que eles podem ter alguma aplicabilidade ou servirem como Palimpsesto para a criação de um novo modelo, é a proposta do autor. Para criar os modelos que pautam as relações sociais, os comportamentos e, o funcionamento das organizações sociais, o autor inspirou-se em fontes diversas, referências sagradas, ligadas à tradição, pautadas na moral, em princípios, preceitos, em condutas coletivas ou iniciativas individuais.  

O autor defende que os modelos individuais e sociais são derivação de poucos macromodelos históricos. Mas qual modelo escolher? O critério de escolha do autor acabou sendo a possibilidade de extrair dele elementos fecundos para a composição de um modelo novo, condizente com a nova humanidade e capaz de aumentar a sua felicidade.  Para De Masi não há, portanto, a ideia de um padrão fixo e engessado a seguir.   Uma obra de arte, a maquete de um projeto de arquitetura para um auditório a ser construído na Itália, elaborada por seu amigo Oscar Niemayer, lhe serve de exemplo de modelo.

Mas, afinal, para que serve o modelo que o autor propõe? Mais do que servir para reorientar a humanidade perdida nos descaminhos sociais e econômicos, deve contemplar o desejo de felicidade das pessoas. Assim, De Masi parece apoiar a Organização das Nações Unidas em sua busca por “padrão holístico” para mensurar a felicidade e o bem estar dos povos.

Para os psicanalistas ficam questões. É possível estabelecer critérios universais de felicidade e replicar nas mais diversas culturas? Dá para medir uma experiência subjetiva e singular como a felicidade? A felicidade pode ser um projeto político coletivo, quando, do ponto de vista psicanalítico, como diz Jorge Forbes, ela se dá no encontro, no acaso e na surpresa? A psicanálise tende a dar respostas que passam pela invenção e pela responsabilidade singular e menos por um empreendimento pautado em um modelo pré-estabelecido.  No entanto, embora o autor não privilegie essa visada, vale a pena conhecer sua proposta. Voilà, o diálogo promete!

 Liége Lise é psicanalista. Membro do IPLA – Instituto da Psicanálise Lacaniana- SP.